Literatura em Libras

de Rachel Sutton-Spence

Parte 1 - Alguns elementos fundamentais de literatura em libras


5. Libras estética

objetivo

5.1 Objetivo

Neste capítulo, veremos alguns exemplos da linguagem literária em Libras e em outras línguas de sinais que criam um efeito estético para o público e que não têm correspondência fácil com o português ou com outras línguas escritas.

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Trazemos muitos exemplos de obras literárias para esta discussão. Chegou a hora de conhecermos um pouco mais sobre a literatura em Libras (e em outras línguas de sinais). Você pode assistir aos vídeos agora e depois revê-los durante a sua leitura.

Com esses exemplos em mente, vamos destacar alguns elementos da literatura em Libras que surgem diretamente do fato dela ser uma forma de arte de uma língua visual.

5.2 Linguagem estética em Libras

A experiência corporal das pessoas surdas é, na maioria, de visão e de tato ao invés de som, e a linguagem estética da literatura destaca isso. Já falamos que a Libras artística e literária nos poemas, nas narrativas, no teatro e até nas piadas, centra-se na linguagem estética visual. A linguagem estética apela aos sentidos e por meio dela o artista surdo busca criar uma experiência para o seu público, em vez de apenas afirmar algo ou dar uma informação.

No capítulo anterior, vimos três principais opções para a criação de sinais visuais (vocabulário, incorporação e classificadores), mas há outros elementos da literatura em Libras que contribuem para gerar emoção no público. A Libras criativa é uma forma de arte linguística que compartilha elementos em forma de arte visual e arte visual em movimento. Frequentemente, a literatura vai além do vocabulário da Libras para criar algo muito mais visual. Às vezes, a literatura em Libras é mais parecida com a pintura, a dança, o filme e o cinema e tudo isso compõe um elemento estético (ROSE, 1992; CASTRO, 2012).

Na literatura, brincamos principalmente com a língua para criar efeitos estéticos. A teoria linguística lida com uma descrição de “unidades” delimitadas da língua, descrevendo os fonemas e morfemas, os sinais, os itens do vocabulário e a sintaxe das sentenças, mas a língua artística vai além dos limites dessas unidades fundamentais da Libras. As brincadeiras estéticas mesclam os sinais até que não existam mais “unidades”, quebram as regras fonológicas, geram morfemas esquisitos e criam novas experiências visuais e comunicativas fora dos padrões da Libras cotidiana. Os elementos na literatura sinalizada chamam atenção ao “visual” com movimento no espaço e por isso são diferentes dos elementos literários na literatura escrita, especialmente na literatura escrita das línguas orais. Pensaremos agora sobre alguns elementos estéticos em Libras.

5.2.1 Velocidade

Um parâmetro fundamental dos sinais é o movimento e em todo movimento há uma velocidade. No ritmo da língua, que é “normal” e sem intenção de ser estética, a velocidade do sinal não é destacada. O movimento de sinais do vocabulário se encaixa no ritmo normal de uso da língua. A velocidade dos sinais classificadores, quando não se tem intenção estética, representa a velocidade do referente. Se uma bicicleta anda lentamente, o movimento do sinal classificador será lento; se a velocidade da bicicleta aumentar, a velocidade do sinal classificador também aumenta. Isso acontece igualmente com sinais de incorporação. As ações que foram feitas em uma dada velocidade são recriadas dentro do corpo do sinalizante na mesma velocidade.

Esses ritmos e movimentos dos sinais são usados na literatura também, mas na linguagem estética podemos brincar com a velocidade para gerar emoções no público. Um recurso utilizado, e valorizado, nas narrativas é o da “câmera lenta”. Já sabemos que nos filmes esse efeito especial mostra eventos em uma velocidade reduzida para que se veja melhor os detalhes da ação. Os artistas surdos podem recriar esse efeito e sinalizar com movimentos prolongados e lentos para aumentar as emoções no público com imagens mais fortes.

Assista agora ao vídeo da narrativa metafórica de Rimar Segala, Bolinha de Ping-pong. Nesse vídeo, Rimar descreve um jogo de pingue-pongue. O jogo começa lento e se torna mais rápido. De repente (aos 00:02:40), todos os movimentos diminuem a velocidade e entramos em “câmera lenta”, vendo as ações dos jogadores e da bola destacadas. Lembramos que sabemos que os movimentos dos referentes não diminuíram “na realidade”, mas apenas os movimentos dos sinais. As emoções ficam mais intensas por causa desse uso lento dos movimentos.

Não é apenas com sinais de incorporação que a velocidade muda, mas também com o movimento dos sinais classificadores. Na história de Eu x Rato de Rodrigo Custódio da Silva, vemos o uso de câmera lenta quando o rato pula perto do rosto do rapaz. No exemplo, as incorporações do narrador e do rato têm movimentos lentos e o sinal classificador mostra o rato que pula.

Essa forma de linguagem estética é construída apenas nas línguas de sinais. Nas línguas orais se pode articular uma palavra mais lentamente, mas o efeito disso não é igual, porque meramente prolonga a palavra e não a imagem visual da ação. Numa forma escrita, podemos aumentar o espaço na página entre as palavras, mas isso também não gera as mesmas emoções nem os efeitos estéticos visuais.

5.2.2 Espaço e simetria

Sabemos que em Libras se pode colocar os sinais em diversos lugares para criar sentidos adicionais. No poema Como Veio Alimentação, Fernanda Machado usa o espaço de uma forma estética para criar sentidos adicionais.

Colocar dois sinais em lugares opostos do espaço pode gerar o sentido de que dois referentes se opõem. Nesse poema, as mãos são localizadas e movidas em lados contrários no espaço de sinalização, mostrando os mundos separados, o do trabalhador rural pobre (do lado direito) e o do rico habitante da cidade que não pensa sobre como surgiu a alimentação (à esquerda). A mão representando o trabalhador rural é sempre mais baixa e a mão representando o morador da cidade é sempre mais alta, como uma metáfora para as pessoas “inferiores” ou oprimidas e as que estão em posições “mais altas” da sociedade.

A simetria é outra maneira de criar efeitos de linguagem estética por meio da criação de uma sensação de equilíbrio. Vamos falar mais sobre a simetria no capítulo 15, mas, por enquanto, podemos ver que muitos exemplos de poesia sinalizada usam as duas mãos ao mesmo tempo, muitas vezes com a mesma configuração de mão (MACHADO, 2013).

5.2.3 Mesmas configurações de mãos: estética e metafórica

Os primórdios da poesia em língua de sinais, em particular a desenvolvida nos EUA nos anos de 1960 e de 1970, utilizavam configurações de mãos repetitivas nos sinais para criar um sentido de “rima”. Esse método foi usado, de forma pioneira, por Dorothy Miles (descrito pelos pesquisadores americanos Klima e Bellugi, 1979) e por Clayton Valli (1993) na língua de sinais americana (ASL), possivelmente por ambos terem sido fortemente influenciados pela poesia na forma escrita que estudaram. Naquele tempo, muitos acreditavam que a rima (ou outras partes repetidas de palavras, que criam aliteração ou assonância) era fundamental para a poesia.

Esteticamente, a visualização repetida de uma mesma configuração de mão é muito agradável de se ver. O público pode apreciar a sagacidade da artista que cria sinais significativos ao usar repetidamente uma mesma forma. A história Leoa Guerreira, de Vanessa Lima, usa a mesma configuração de mão em forma de garra da leoa, seja o que for que sinalize, e é divertida e espirituosa por conta de tal recurso, que sempre nos lembra que ela é a leoa. Tudo é feito pela incorporação das leoas. Os sinais LUTAR, DESISTIR, NÃO, CANSA, FLORESTA, SOL, CALOR, LIMPA-O-SUOR-DA-TESTA, OLHAR-NA-DISTÂNCIA, TRABALHAR, DIFÍCIL, VAMOS, GRUPO têm a configuração de mão de pata em garras. Quando Vanessa sinaliza com patas, os sinais do vocabulário que já usam cinco dedos são fáceis de alterar. Por exemplo, a coroa de Miss que a leoa ganha já tem a configuração certa de cinco dedos curvados. Os sinais que normalmente fecham a mão se fecham um pouco para manter melhor a forma da pata. PROCURAR parece ser meio sinal normal e meio sinal das patas, porque dois dedos do sinal são esticados, mas os outros são em garras. O sinal OUVINTE não fecha completamente (como esperamos no sinal normal) e FELIZ dobra o dedo indicador, mas a configuração da mão não é igual à letra manual “F”. O sinal MISS é quase normal na primeira vez, depois se parece mais com garras.

Algumas configurações de mão são mais fáceis de serem repetidas por serem mais comuns em línguas de sinais e classificadores. Por exemplo, é menos desafiador repetir a configuração de mão aberta (porque muitos sinais a utilizam) do que usar as configurações “X”, utilizadas para poucos sinais.

Outros poemas podem usar uma configuração de mão repetida para ir além do meramente estético, a fim de acrescentar significação metafórica, como em Meu Ser é Nordestino, de Klícia Campos. Esse poema repete a configuração “mão aberta” em sinais que se referem a aspectos positivos da vida nordestina, ao passo que a forma “mão aberta em garra” e mais tensa em sinais reflete a dificuldade com o calor e a seca da região, enquanto o punho cerrado repetido em sinais se refere à força e determinação dos habitantes da região.

5.2.4 Morfismo: mudando as configurações da mão

Os pesquisadores pioneiros da poesia em língua de sinais, Klima e Bellugi (1979), perceberam que a poesia em língua de sinais pode reduzir o movimento entre sinais através da fusão de um sinal no seguinte. Um sinal com uma configuração manual em um local pode tomar novo movimento ou nova locação e adquirir um novo sentido.

Assista ao poema O Farol da Barra, de Maurício Barreto. Nesse poema, a luz brilhante da graça de Deus é mostrada pela configuração de mão aberta virada de lado e movimentando-se em direção ao rosto do poeta. A mesma configuração de mão muda de orientação e o seu movimento passa a ser o de flutuar para baixo para se tornar o mar. Desse modo, os sinais GRAÇA-DIVINA ou LUZ-DIVINA-NO-ROSTO e MAR-EM-MOVIMENTO unem as duas ideias ao se metamorfosearem um no outro. A configuração de mão em “O”, representando a rocha no oceano, muda de orientação e começa a se erguer, tornando-se a lua crescente. Assim, embora nada ligue de maneira óbvia as ideias de rocha e lua, o poema fala do naufrágio que aconteceu durante a noite depois do barco bater na rocha, então os dois sinais estão conectados por suas formas visuais quando um se funde no outro. A transição fluida entre os sinais cria uma serenidade no poema que não poderia ser obtida se houvesse transições mais longas entre cada sinal (JESUS, 2019).

5.2.5 Mostrar humanos (por incorporação)

No lugar de contar ao público acerca dos personagens literários, a Libras frequentemente os apresenta através do recurso da incorporação, e um aspecto da sinalização estética altamente valorizado é a habilidade de imitar pessoas (MORGADO, 2011). Tal recurso é particularmente agradável quando a pessoa é caricaturada através do exagero de sua aparência, seja de suas características físicas ou de seus movimentos. Muitos contadores de história têm o cuidado de descrever seus personagens fisicamente através da incorporação e continuam a enfatizar esses aspectos enquanto contam a história. Mostrar os personagens é algo visualmente muito satisfatório para a plateia, que por vezes se sente como se estivesse assistindo a personagens de um filme.

Em Bolinha de Ping-pong, Rimar Segala descreve cuidadosamente a aparência física dos dois competidores, deixando claro o quão diferentes ambos são fisicamente, antes de incorporar cada um sucessivamente durante a partida de pingue-pongue. A descrição dos dois é exagerada pela ampla movimentação nos sinais, pelas expressões faciais e pelos movimentos corporais particularmente fortes, criando caricaturas de uma mulher excessivamente empertigada e feminina e de um homem vaidoso, machista e de um atleta agressivo. Como veremos no capítulo 19, o exagero é uma parte importante na sinalização humorística e aumenta o impacto da imagem visual.

5.2.6 Mostrar animais, plantas e objetos inanimados

A imitação estética de seres humanos estende-se à imitação de não humanos, sejam eles animais, plantas ou objetos inanimados. Esta utiliza o importante recurso literário do antropomorfismo, no qual o sinalizante retrata o personagem não humano como se este fosse humano. Estudaremos tal recurso com maior profundidade no capítulo 17, mas por ora podemos examinar alguns exemplos. Na literatura em Libras, de modo geral, os animais antropomorfizados tendem a sinalizar, ao passo que objetos antropomorfizados raramente fazem isso (ANDRADE, 2015).

Como vimos, Vanessa Lima assume o papel da leoa na história Leoa Guerreira. A leoa tem habilidades e desejos humanos (por exemplo, quer ser uma Miss), utiliza língua de sinais (o uso da linguagem é considerado uma habilidade exclusivamente humana), mas seus sinais são apresentados usando patas de leão no lugar de mãos humanas, lembrando-nos de que ela não é humana.

O antropomorfismo de objetos está presente em Bolinha de Ping-pong, em que vemos os sentimentos, desejos e movimentos da bola de pingue-pongue ao sofrer raquetadas de um lado para o outro durante a competição. Normalmente, não esperaríamos que uma bola tivesse sentimentos e o modo como estes são mostrados no corpo humano através da Libras é divertido de ver. A peça Golf Ball, de Stefan Goldschmidt, é outro exemplo de uma bola antropomorfizada. Aqui vemos novamente seus sentimentos e suas reações ao vivenciar o mundo como uma bola de golfe, mas, assim como a bola de pingue-pongue, a de golfe não sinaliza.

5.2.7 Classificadores (e novos classificadores)

Vimos no capítulo 04 que a Libras utiliza classificadores, em que as configurações das mãos são escolhidas a partir de um conjunto convencional da Libras, posicionadas e movidas no espaço a fim de mostrar como os personagens e os objetos se movem e se relacionam uns com os outros. Espera-se que qualquer boa história em Libras as utilize como um meio de criar um texto que seja visualmente divertido. Eu x Rato, de Rodrigo Custódio da Silva, é um bom exemplo. Nessa obra, ele conta uma história que mostra uma versão mais jovem de si mesmo caçando um rato na sala de ferramentas. Mas, ao invés de simplesmente nos contar o que fez, ele também mostra. O autor utiliza parcialmente o recurso da incorporação, mas a história também é notável por seu amplo uso de sinais classificadores que mostram o rato, seu rabo e o bastão, todos em uma disposição espacial complexa, mas de grande clareza.

Alguns sinalizantes, entretanto, vão além dos limites das regras da linguagem e criam configurações de mão classificadoras que não são convencionais. Como exemplo, veja o poema Tree, de Paul Scott. Embora tenha sido composto em BSL (British Sign Language, a língua de sinais britânica), é facilmente compreensível por sinalizantes de Libras. A obra mostra novos classificadores para o gato, o cão e o cego andando com sua bengala. Existem classificadores convencionais que o autor poderia ter escolhido, mas ele criou novas configurações de mão divertidas e visualmente atraentes.

Alguns sinalizantes de Libras adaptaram Tree para compor seus próprios poemas que refletem sua experiência nacional. A adaptação Saci, de Fernanda Machado, mostra uma onça que caminha em direção à árvore, fazendo uso de um classificador que é parte de todo o animal e sua bocarra aberta. Nem o classificador manual nem seu movimento estão nos padrões dos classificadores da Libras. Assista também ao poema-história Árvore, de André Luiz Conceição (outra adaptação de Tree). A configuração de mão classificadora que representa os pais e a criancinha caminhando juntos não existe em Libras, mas pode-se compreendê-lo facilmente, bem como a configuração de mão classificadora que representa o grupo de crianças que se dirige à casa na árvore no fim da história.

Os classificadores também descrevem a aparência de um personagem. Jaguadarte, de Aulio Nóbrega, mostra descrições detalhadas da aparência do guerreiro e do monstro. Como o monstro só existe no mundo ficcional dessa história (felizmente), não há classificadores prontos para descrevê-lo e por isso o artista utiliza novas formas de mão para criar imagens visuais com significados que somente podem ser imaginados.

5.2.8 Elementos não manuais

Embora com frequência se diga que a Libras é uma língua manual e que sua literatura é uma forma de arte produzida por mãos literárias (MOURÃO, 2016), os elementos não manuais são muito importantes, especialmente quando se tem o objetivo de acrescentar impacto estético.

O movimento da boca em Libras pode derivar de palavras da língua portuguesa ou ser motivado por formas visuais que não têm nenhuma relação com a língua oral. Em geral, os movimentos da boca derivados do português são associados com o vocabulário (sinais não ilustrativos, ver capítulo 04) e os padrões bucais visuais se associam a classificadores e à incorporação (estruturas altamente icônicas, ver capítulo 04). Na sinalização cotidiana, os dois tipos de movimento de boca ocorrem em conjunto, em proporções variadas, mas na sinalização estética com frequência há menos padrões bucais derivados do português, em parte devido a uma frequência maior de estruturas altamente icônicas. Quanto mais visual a peça, e quanto menos sinais de vocabulário de Libras houver, menos padrões de boca derivados do português há. Nesse sentido, e como exemplo, a obra Jaguadarte, de Aulio Nóbrega, não tem traços de português na boca. Histórias infantis educativas traduzidas do português tendem a ter mais vocabulário sinalizado e mais padrões de boca derivados do português. Isso não significa que a tradução não é boa, nem que não segue as regras da Libras. Uma boa tradução pode manter o vocabulário de Libras (articulada com movimentos de boca em português), misturado com as estruturas de classificadores e incorporação. Como exemplo, a tradução de Mariá de Rezende Araújo para o conto de fadas A Rainha das Abelhas, dos irmãos Grimm, que contém padrões de boca do português quando usa vocabulário, ao passo que não tem traços de português na boca nas outras estruturas altamente icônicas sinalizadas.

Movimentos de cabeça, abertura do olhar e o posicionamento deste são utilizados em diversas maneiras para engajar o público na performance do texto estético e são uma parte muito importante da sinalização estética. A abertura do olhar frequentemente mostra emoção e a direção dele pode mostrar movimento e espaço. Por ser o exagero um importante elemento de entretenimento na sinalização estética, os elementos não manuais são com frequência exagerados. Poética e cheia de humor, a narrativa A Pedra Rolante, de Sandro Pereira, utiliza essas características manuais de maneira extensiva. Às vezes os articuladores não manuais são os principais articuladores, ou até mesmo os únicos. Por dez segundos13, a história é sinalizada totalmente com os olhos, a boca e a cabeça. Golf Ball, de Stefan Goldschmidt, também faz uso extensivo desses elementos não manuais, enquanto ele mostra como a bola de golfe se sente e se move sem nenhum sinal manual.

5.2.9 Perspectivas múltiplas

Veremos no capítulo 10 que a sinalização estética frequentemente tem características similares às das técnicas cinematográficas, incluindo o recurso de mostrar diferentes perspectivas. Há dois tipos: o sinalizante pode produzir sinais que representam dois pontos de vista sobre o mesmo personagem, com um close ou um plano distante cinematográfico, ou pode mostrar a perspectiva de dois personagens, com o observador e o observado por uso de espaço dividido. Os dois tipos também podem ocorrer na mesma peça. Em Tinder, de Anna Luiza Maciel, vemos os mesmos eventos pela perspectiva do telefone móvel e do usuário, com a mulher usando o teclado, deslizando o dedo para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo e finalmente capturando a tela. Cada ação é mostrada do ponto de vista da mulher e, consequentemente, da perspectiva do aparelho. A artista utiliza seu corpo inteiro para se tornar o aparelho de telefone através do recurso da incorporação, que faz o telefone parecer grande, como em um close. Quando a mulher segura o telefone, este aparenta ser pequeno, como em um plano distante.

Textos com sinais estéticos também podem combinar sinais para dois diferentes objetos ou personagens, o que permite a interação entre duas entidades. Paul Dudis (2004) chama isso de partição do corpo (veja também BASÍLIO, 2017). Em Tinder, vemos o dedo da mulher teclando o número enquanto vemos o celular recebendo a digitação. Configurações de mãos classificadoras podem ser usadas, também, com a incorporação de um personagem. Em Golf Ball, de Stefan Goldschmit, quando o taco de golfe bate na bola, a cabeça do sinalizante é a bola de golfe, mostrada por incorporação, e o taco de golfe é mostrado através de um classificador. O sinalizante coloca a sua mão, mostrando o taco, ao lado da sua cabeça, mostrando a bola. Dessa forma, pode misturar os papéis de narrador e personagem: a bola é o personagem e o fato de o taco de golfe estar ao lado da bola é contado de alguma forma pelo narrador (MULROONEY, 2009).

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5.3 Resumo

Esse capítulo revisou uma ampla gama de modos como os sinalizantes podem produzir em Libras formas que gerem emoções em seu público. Entender a importância desses recursos visuais em uma linguagem visual nos permite compreender como a literatura em Libras é tão diferente da literatura em português escrito. O português simplesmente não tem esses recursos.

Peter Cook, um poeta famoso dos EUA, falou: “os poetas modernos ficam fascinados quando veem a poesia em ASL, porque eles se esforçam para transformar imagens em linguagem, em deixar as palavras virarem imagens. É isso que fazemos em poesia em ASL” (NATHAN LERNER; FEIGEL, 2009. Tradução nossa).

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5.4 Atividade

  • Escolha duas obras literárias sugeridas nesse capítulo. Procure estes exemplos de sinalização estética em cada uma:
  • Velocidade
  • Espaço e simetria
  • Mesmas configurações de mão
  • Morfismo
  • Mostrando humanos por incorporação
  • Mostrando não humanos (animais e objetos inanimados) por incorporação
  • Classificadores (e novos classificadores)
  • Elementos não manuais
  • Perspectivas múltiplas
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