Literatura em Libras

de Rachel Sutton-Spence

Parte 2 - A produção de narrativas e contos em libras


8. Gêneros: definidos pela origem, pelo conteúdo e pelo público

objetivo

8.1. Objetivo

No capítulo anterior, refletimos sobre a divisão de gêneros com base na ideia de ficção e não ficção e com base na forma da literatura. Neste capítulo, vamos considerar mais alguns exemplos de literatura em Libras e ver outras maneiras de categorizar a sua linguagem estética.

lista de videos

Neste capítulo falaremos sobre os seguintes vídeos:

8.2. Gênero definido pela origem

Ao considerar as categorias de uma forma de arte de Libras fortemente ligada à cultura surda, precisamos nos perguntar: de onde veio essa literatura? Sua origem está na communidade e na cultura dos ouvintes ou no mundo surdo? Surgiu no Brasil ou em outro país? Foi criada por um autor conhecido ou faz parte da literatura em Libras que a comunidade vê como parte de seu próprio folclore?

8.2.1. Folclore

Folclore é o termo coletivo dado às tradições, aos costumes, aos rituais e às formas de expressar a experiência de um grupo particular. Esses costumes são passados às novas gerações por meio de histórias, poemas, piadas ou outros usos de linguagem; normalmente, não são escritos e não têm um autor conhecido (DUNDES, 1965). A palavra portuguesa “folclore” vem da inglesa “folklore”. “Folk” significa “povo” e esse povo inclui qualquer pessoa de uma comunidade com uma cultura própria. O “lore” está relacionado ao conhecimento da comunidade. Então, o folclore é caracterizado em termos de origem (não sabemos quem o criou), forma (geralmente tem muita repetição e rimas simples, por exemplo), transmissão (é principalmente não escrito) e função (normalmente é usado para educar e entreter, também para fortalecer a identidade da comunidade).

As piadas em Libras são um ótimo exemplo de folclore porque não sabemos quem as criou. Essas narrativas curtas com um desfecho engraçado simplesmente “surgem” sem autor, têm uma estrutura convencional, muitas vezes com repetição, são transmitidas sem registro formal e funcionam para entreter, mas muitas vezes também para educar a comunidade sobre regras de comportamento. Também, utilizam muitos elementos linguísticos que vemos em outros gêneros de literatura surda como poesia e narrativas não humorísticas. Vamos falar mais de piadas surdas no capítulo 12, mas, por enquanto, podemos destacar uma das piadas mais conhecidas da comunidade surda, que trata da árvore surda.

Um lenhador corta uma árvore. Ele grita: “madeira!”, e a árvore cai. Um outro dia ele corta mais uma árvore e grita: “madeira!”, mas ela não cai. Então ele chama um médico, que faz alguns exames, relata que a árvore é surda e orienta o lenhador a aprender a língua de sinais. O lenhador vai à associação de surdos e aprende Libras. Depois, ele volta à floresta e soletra M-A-D-E-I-R-A e a árvore cai.

Em muitas culturas é impossível separar os conceitos “folclore” e “literatura”, porque os textos que chamamos de literatura contém elementos oriundos dos textos que chamamos de folclore. Talvez essa seja uma divisão meramente artificial e ligada ao poder social, imaginando-se que a literatura é para as pessoas cultas e o folclore é para o restante do povo. Essa não é uma distinção que achamos útil no caso da literatura em Libras.

O folclore linguístico inclui jogos da língua e piadas, gestos convencionais, comentários frente a atos de excreção do corpo (ex: arrotos, gases e espirros), mitos, lendas, narrativas populares, provérbios, insultos, provocações, trava-línguas, formas de saudação e despedida, nomes (de lugares e de pessoas, incluindo apelidos) e poesia popular (por exemplo, poesias tradicionais para crianças e canções infantis)18. Tudo isso é visto em Libras, mas faltam ainda pesquisas sistemáticas sobre esse tipo de folclore em língua brasileira de sinais. Certamente, a cultura surda tem muitos exemplos de folclore linguístico em Libras, sendo uma mistura rica da cultura brasileira com a cultura surda. Por isso, podemos dizer que o folclore da Libras faz parte da literatura surda baseada na sua origem, ou seja, de dentro da comunidade surda brasileira.

8.2.2. Histórias traduzidas

Embora muito da literatura em Libras tenha sua origem no folclore da comunidade surda brasileira, veremos no capítulo 22 que grande parte dela vem de fora e foi trazida através da tradução. Assim, podemos descrever um gênero de “Literatura em Tradução”.

As traduções de livros de outras línguas para o português são muito comuns no Brasil, por isso existem gêneros reconhecidos como “literatura francesa em português” ou “literatura inglesa em português”. No entanto, a tradução da literatura de outras línguas de sinais para Libras ainda é incomum, embora existam alguns exemplos importantes. O conto de Libras de Nelson Pimenta chamado O Passarinho Diferente (aliás, notável por ser atipicamente longo – com quase meia hora de duração) é uma tradução de uma história da ASL, Bird of a Different Feather, atribuída a Ben Bahan. Da mesma forma, seu poema Cinco Sentidos é traduzido de um poema em BSL, Five Senses, de Paul Scott. Sandro Pereira traduziu Ball Story, de Ben Bahan, para Libras como A Pedra Rolante. Quanto mais crescer o contato e a troca de ideias entre artistas de língua de sinais em diferentes comunidades surdas, mais essas traduções aumentarão.

Muitos textos traduzidos na literatura em Libras vêm de textos escritos em português. São frequentemente voltados para a educação e traduções de clássicos de autores como Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade. Exemplos incluem, ainda, Iracema (de José de Alencar, 2002), O velho da horta (de Gil Vicente, 2004), O Alienista (de Machado de Assis, 2004), O Caso da Vara (de Machado de Assis, 2005)19. São feitas para dar acesso ao conteúdo dos textos escritos, muito importante para o aluno surdo (SPOONER, 2016), porém poucos surdos adultos procuram espontaneamente essas traduções por prazer e diversão.

Existem histórias infantis que fazem parte do folclore da sociedade ouvinte, que são adaptadas como parte do processo de tradução com o objetivo de incluir personagens surdos e a Libras. As adaptações são recentes e, no passado, algumas pessoas não achavam certo alterar textos, preferindo respeitar a forma original deles. No século XXI, no entanto, algumas traduções em Libras acrescentaram adaptações. Por exemplo, Silveira, Karnopp e Rosa (2003) criaram a Rapunzel Surda, que aprende Libras com um príncipe surdo; e a Cinderela Surda, que perde sua luva (as luvas são ligadas às mãos e assim são uma marca do sujeito surdo) em vez de seu sapato. Betty Lopes de Andrade (2015) descreve uma versão dos "Três Porquinhos" em Libras em que o lobo sinaliza tão rápido que o vento gerado por suas mãos destrói as duas primeiras casas.

Uma terceira origem da literatura sinalizada que está fora da comunidade surda é da tradução de filmes. Bahan (2006) propôs uma categoria de histórias de ASL baseadas em filmes e essas histórias também são populares em Libras. São traduções dos filmes, mas ao invés de serem realizadas entre duas línguas, elas partem de um sistema visual (a “gramática” do filme) para outro sistema visual (a língua - Libras). O conteúdo das histórias cinematográficas vem do filme (de modo que raramente descrevem a experiência específica do mundo surdo, embora os surdos possam compartilhar essa experiência), mas quem conta em Libras escolhe aqueles de ação que possibilitam a melhor recontagem visual, porque há pouco diálogo e muito movimento. A habilidade de tradução nessas histórias reside na maneira de reproduzir o impacto visual do filme em Libras por meio de classificadores e incorporação, por exemplo.

8.3. Definido pela origem e pela forma: canções

O gênero músicas em Libras é polêmico, já que não se originam dentro da cultura surda. Músicas são caracterizadas por elementos baseados mais no som, principalmente na relação entre a linguagem das letras (traduzível, até um certo ponto, de uma língua para a outra) e a música, que é basicamente uma arte sonora. As músicas sinalizadas são quase sempre traduzidas. Ao contrário de outros gêneros que se originaram fora da comunidade surda, mas que podem refletir as experiências surdas, como o cinema, o gênero musical não é naturalmente parte da experiência surda devido à estreita relação entre a letra e a música. Ter acesso à letra sem ter acesso à música pode ser frustrante para alguns surdos. Contudo, as pessoas ouvintes que conhecem Libras tendem a gostar muito da experiência de ver as letras das canções em Libras e ouvi-las simultaneamente.

Cabe ressaltar que algumas pessoas surdas podem ouvir música, especialmente com a ajuda de aparelhos de amplificação sonora ou sentir as vibrações que vêm do som. Podem também ter a memória de alguma época em que podiam ouvir mais. Na internet, ainda, é possível localizar vídeos de canções traduzidas para Libras postados por pessoas surdas. Além disso, Jonatas Medeiros, tradutor e pesquisador da Universidade Federal do Paraná – UFPR –, descreveu maneiras de traduzir a música e as letras para o público surdo, traduzindo a emoção gerada pelo sentido da canção não apenas pelo movimento rítmico do corpo do tradutor, mas através das luzes, vibrações, do movimento e da presença da multidão em um show.

Apesar das polêmicas geradas por traduções que oferecem pouca satisfação às pessoas surdas, algumas comunidades surdas têm tradições relacionadas à arte da linguagem que incluem traduções de músicas. Cynthia Peters (2000) observou que as línguas de sinais têm ritmos visuais e uma musicalidade visual que sempre estiveram associados ao corpo. Todas as pessoas batem palmas, batem os pés e dançam. Esses elementos corpóreos, frequentemente associados à música, são facilmente transferidos para a Libras. Priscila Leonnor, no poema O símbolo do Olodum, mescla a poesia em Libras com a dança do samba e os ritmos do samba-reggae com o acompanhamento sonoro e de vibrações de uma bateria. É uma produção original em Libras que mostra a identidade de uma brasileira negra e surda da Bahia, que segue muitos dos elementos utilizados nas canções traduzidas.

Uma tradução importante de música que faz parte da vida da comunidade surda brasileira é a do Hino Nacional. Algumas versões dele são traduções aproximadas das palavras que ele contém, enquanto outras são adaptações ou interpretações mais livres das ideias expressas nele. A versão do Hino Nacional de Bruno Ramos é mais próxima de uma releitura e combina a apresentação da letra com técnicas de produção de vídeo, com mudanças de cores da camiseta do artista (que refletem as cores da bandeira brasileira) e diferentes imagens do patrimônio natural e histórico do Brasil.

Outras produções são feitas a partir de hinos religiosos, que são atos de adoração. Eles são traduzidos para Libras, muitas vezes, por coros e destinados para aqueles que participam de eventos religiosos, de modo que possam acessá-los, sentindo as emoções que geram, na sua própria língua. Quando os hinos são traduzidos por pessoas que conhecem os princípios poéticos da Libras, eles se tornam mais literários.

As traduções de outras músicas, particularmente da música contemporânea, são cada vez mais comuns e vídeos como esses são frequentemente publicados na internet (RIGO, 2013, 2020). Às vezes, esse último tipo de tradução é feito por surdos, mas é predominantemente realizado por ouvintes. Estes, geralmente, são aprendizes de línguas que gostam de brincar com sua nova língua e para quem a experiência de ouvir a música e ver os sinais é particularmente gratificante. Porém, também, há traduções apreciadas por muitas pessoas, surdas e ouvintes, no que diz respeito às formas poéticas da Libras e por suas técnicas de produção. Um exemplo valorizado é a tradução de Vagalume, de Tom Min Alves (vale anotar como ele troca chapéu e camisa para refletir as mudanças entre a música mais melódica e o funk mais rítmico).

8.4. Gênero definido pelo conteúdo

A pesquisadora Janaina Peixoto (2016) criou categorias temáticas para 70 poemas em Libras em seu corpus de análise e observou as seguintes temáticas definidas pelo conteúdo: Mundo Surdo (26), Religião (13), Datas Comemorativas (12), Amor (7), Terra Natal (4), Natureza (3) e Outras (5). As narrativas de experiência pessoal fazem parte do que Peixoto chamou de Mundo Surdo.

8.4.1. Narrativas da experiência surda

Nessas histórias, as pessoas surdas narram os eventos que aconteceram nas suas vidas. Embora possamos dizer que as narrativas da experiência surda sejam literatura surda de não ficção, original ou folclore (definidas conforme a sua origem), sua principal característica é o conteúdo sobre a “experiência surda”. As narrativas podem ter a forma de histórias em prosa, poemas ou teatro, porque a forma em que elas são contadas é menos importante do que o tópico que apresentam.

É importante que ao serem contadas pela pessoa sobre si ou sobre outra pessoa, tenham um protagonista surdo e que o que aconteça na história só possa acontecer a essa pessoa porque ela é surda, ou seja, a história não aconteceria com um ouvinte. Os tópicos incluem, entre outros, a infância, as experiências do trabalho e com viagens (especialmente sobre os encontros com outras pessoas surdas nessas viagens). As narrativas sobre os encontros com pessoas ouvintes frequentemente informam o público surdo sobre os desafios da vida sofridos pelas pessoas surdas e as maneiras de superá-los. Isso transforma as histórias de experiências particulares de uma pessoa em “Experiência Surda” de modo geral, por ser mesma realidade vivenciada por outros surdos também. Nelas, o protagonista pode ser qualquer surdo, com o qual o contador de histórias espera que o público possa se relacionar. O ponto importante é que os surdos contam essas histórias para que outras pessoas surdas possam se identificar com a experiência de vida de "alguém como eu".

8.5. Gênero definido pelo público-alvo

O público-alvo pode designar o gênero. Por exemplo, podemos categorizar poemas adequados para jovens ou crianças. Outros são mais literários e elaborados para um público com mais experiência. Alguns são feitos para diversos níveis de público – do iniciante àquele com muita habilidade. Por isso, veremos que os gêneros literários em Libras são para todos, não apenas para uma elite de pessoas bem escolarizadas.

Obras em Libras de diferentes origens têm conteúdo e formas diferentes de acordo com o seu público-alvo. Alguns tipos de literatura em Libras são adequados para aprendizes de Libras – sendo eles adultos ou crianças, surdos ou ouvintes. Alguns são bons para pessoas com pouca escolarização e que sabem pouco sobre a literatura surda, como as apresentações de teatro em que as pessoas participam. Também temos a literatura infantil e a literatura feminina em Libras, que são parecidas de alguma maneira, destinadas aos públicos que têm características semelhantes, embora o gênero de literatura feminina seja destinado às mulheres e o de literatura infantil seja destinado às crianças.

8.5.1. Literatura feminina

Nodelman (1988) destacou que a literatura infantil e a literatura feminina geralmente são parecidas. A literatura infantil se concentra na vida de pessoas (ou animais) sem poder, crianças, homens ou mulheres, que precisam lidar com uma hierarquia que os coloca no fundo. Além disso, livros infantis caracteristicamente revelam o poder dos fracos: agressores poderosos, definidos como vilões, geralmente perdem para pequenos pacifistas.

Sendo assim, Nodelman (1988, p33) cita Rachel Blau DuPlessis:

O que aqui chamamos de (a) estética feminina acaba sendo um nome especializado para quaisquer práticas disponíveis para esses grupos - nações, gêneros, sexualidades, raças, classes - todas as práticas sociais que desejam criticar, diferenciar, derrubar as formas dominantes de conhecer e entender com as quais estão saturadas. NODELMAN, 1988, P.33 (Tradução nossa)

Esses temas não exclusivos da literatura feminina, destinada principalmente a um público de mulheres, que é também caracterizada por histórias em que o protagonista é feminino e a maioria dos personagens é feminina, incluindo a família e os amigos. Geralmente se concentram numa protagonista feminina que enfrenta uma situação difícil que afeta a vida das mulheres. No entanto, a análise das pesquisadoras surdas americanas Christie & Wilkins (2007) sobre os conteúdos de literatura surda mostra que as mulheres falam de autobiografia, mas não apenas sobre “ser filha, ser esposa, ser mãe” (ver capítulo 21).

8.5.2. Literatura infantil

A literatura infantil é um gênero definido pela faixa etária do público-alvo, destinado a crianças pequenas e crianças mais velhas. A literatura em Libras destinada aos jovens adultos é outra categoria. A idade do público-alvo determina o conteúdo e a forma da linguagem.

O gênero de literatura infantil, escrita para crianças ouvintes, tem uma longa história, com diversos contos de fadas destinados às crianças registrados no século XVII e que se expandiu principalmente na Europa do século XIX. O gênero de literatura infantil brasileira, escrita em português, começou a se consolidar apenas no início do século XX.

Desde o início do século XXI, um número crescente de histórias em Libras foi filmado e disponibilizado para alunos surdos. Como a tecnologia de vídeo se torna cada vez mais sofisticada e ao mesmo tempo acessível, há mais opções para se usar uma mistura de sinais e imagens no meio visual de contar histórias para crianças pequenas. A maioria dessas histórias é baseada em livros infantis escritos e são traduções ou recontos.

No site Mãos Aventureiras, por exemplo, Carolina Hessel conta histórias em Libras de livros ilustrados ao redor do mundo. As histórias são apresentadas em Libras de uma forma clara e imaginativa, adequada para os mais jovens, intercaladas com ilustrações dos livros para que as crianças possam associar os sinais às imagens. O foco é na Libras, e não nas palavras escritas. Os livros escolhidos para esse site são escritos em diferentes idiomas, mas isso não é um problema para qualquer livro traduzido em Libras, se o foco for em Libras.

Para muitos ouvintes, histórias são fortemente ligadas ao objeto livro e muitos professores entendem que os livros são a maneira de introduzir as crianças surdas à literatura, mesmo em Libras. Quando se lê histórias de livros para crianças surdas, contando-as em Libras, isso é sempre uma tradução. Mas o uso da Libras para contar a história de um livro busca incentivar as crianças surdas a ler, que é importante na educação bilíngue. Além disso, a experiência ensina as crianças sobre a sociedade e a cultura que elas compartilham com as pessoas ouvintes.

Alguns livros de histórias são escritos especificamente para crianças surdas, com personagens surdos (KARNOPP, 2008). Esses livros fornecem imagens positivas para elas, especialmente quando os autores são surdos. Exemplos incluem A Cigarra Surda e as Formigas, de Carmen Elisabete de Oliveira e Jaqueline Boldo (2003), Tibi e Joca, de Cláudia Bisol (2001) e O Patinho Surdo, de Rosa e Karnopp (2005). No entanto, a maioria dos livros de histórias que uma criança surda lê ou examina contém histórias escritas para crianças ouvintes e não contém personagens surdos ou se refere à experiência específica de uma pessoa surda.

Quando as crianças pequenas são introduzidas à leitura, a esperança é de que elas descubram os prazeres e a satisfação da leitura de modo que esta se torne algo que a criança desfrute. Desejamos que as crianças aprendam a amar a leitura e as histórias contadas nos livros. No entanto, é importante que o desejo de ensinar um aluno surdo não destrua o prazer da leitura. Os adultos podem usar a leitura como uma oportunidade educacional, ajudando as crianças a aprenderem mais sobre sua língua e seu mundo, mas essa normalmente não é a perspectiva da criança. Muitos livros e muitas histórias para crianças surdas têm o objetivo explícito de ensiná-las a linguagem escrita. Precisamos que histórias em Libras direcionadas às crianças sejam vistas em textos bilíngues, onde a Libras dirija a história e que haja uma versão em português ao invés de esperar que a Libras siga o texto em português.

Infelizmente, as histórias de ficção originais criadas por surdos e contadas em Libras, sobretudo para crianças mais novas, são poucas. Para incentivar esses pequenos a desenvolverem sua própria criatividade em Libras, precisamos de mais histórias originais para complementarem as traduções. Sabemos que é difícil para muitos adultos surdos criarem essas histórias (mesmo aqueles adultos que contam histórias tradicionais em Libras fluente, muito visual e atraente às crianças surdas) quando estes também cresceram com apenas livros de autores ouvintes como seus modelos de literatura.

As crianças mais novas precisam de histórias originais em Libras com sinais simples para acompanharem a literatura. Elas gostam de magia, antropomorfismo de animais e gostam de rir de situações inesperadas ou incongruentes.20 Uma Coleção de narrativas didáticas curtas feita por Marina Teles mostra essas características. É importante para a criança surda ver personagens surdos nas narrativas originais em Libras, isso cria empatia com contextos com os quais elas podem se identificar. Elas também gostam de ver histórias com desafios a serem superados pelo personagem surdo.

As crianças maiores, os adolescentes e adultos já não acham mais interessante a magia e os animais na Libras. Histórias de ação (especialmente para os meninos) e situações mais "reais" são preferidas, mas ainda nos contextos de locais com os quais o público surdo pode se identificar. A forma da Libras já é mais complexa e criativa porque esse público já domina a língua, então o artista pode apresentar alternativas para essa forma que eles conhecem, tais como novos sinais, classificadores criativos ou elementos cinematográficos. Porém, essas pessoas mais velhas ainda gostam de ver personagens surdos na literatura para poderem experienciar a empatia e ver os desafios que o surdo define e supera.

resumo

8.6. Resumo

Nesse capítulo, focamos em mais gêneros de literatura em Libras. Vimos que existem tipos de literatura com origem na comunidade surda brasileira que têm muito a ver com o folclore. Também vimos que a literatura vem de fora da comunidade. Pode vir por tradução e adaptação de outras comunidades surdas mundiais, da literatura escrita em português ou até de filmes e programas de televisão. Destacamos as músicas em Libras como um gênero polêmico, que de certa forma é alheio às tradições culturais da comunidade surda, mas que, por outro lado, foi adaptado para fazer parte da vida dos surdos. Definindo os gêneros por conteúdo, focamos nas narrativas de experiência surda, que podem ter qualquer forma (história, poema ou teatro), mas que sempre falam do protagonista surdo. Pensando no público, vimos que a literatura destinada às crianças surdas tem muitas formas, origens e diferentes conteúdos, mas é apresentada com objetivo de ensinar e entreter.

atividade

8.7. Atividade

Assista à versão do Hino Nacional mencionada nesse capítulo. Apesar de ser exemplo de literatura traduzida, qual o conteúdo e quem é o seu público-alvo?

Assista a uma narrativa de experiência de pessoas surdas. O que os membros da comunidade podem aprender ao assistirem a essa narrativa? O que os ouvintes aprendizes de Libras podem aprender ao assistirem a essa narrativa?

A lista veio de Dundes, 1965. www.editora-arara-azul.com.br Incongruente significa sem lógica ou o que não combina, como por exemplo uma vaca de salto alto ou uma pessoa botando uma meia na mão.