Literatura em Libras

de Rachel Sutton-Spence

Parte 3 - Elementos de linguagem estética


17. Antropomorfismo

objetivo

17.1. Objetivo

Neste capítulo, investigaremos o jeito como a literatura em Libras apresenta seres e objetos não humanos como se tivessem características humanas. Veremos os tipos de não humanos que ocorrem na literatura e por quê. Pensaremos sobre os diferentes níveis das características humanas dadas a animais ou objetos.

lista de videos

Antes de prosseguir, assista a alguns vídeos de literatura em Libras (e a alguns em outras línguas de sinais) que têm animais e objetos inanimados.

Será que você já assistiu a estes vídeos sobre animais? Se não, pode assistir agora:

Será que você já assistiu aos seguintes vídeos sobre coisas ou objetos inanimados? Se não, pode assistir agora:

  • Bolinha de Ping-pong, de Rimar Segala - uma bolinha de pingue-pongue.
  • O Espelho (em inglês Mirror), de Richard Carter – um espelho.
  • Golf Ball, de Stefan Goldschmidt – uma bola de golfe.
  • Saci, de Fernanda Machado – uma árvore.
  • Tinder, de Anna Luiza Maciel – um celular.

17.2. O que é antropomorfismo?

Em todos as obras citadas acima, o corpo do artista se transforma pelo processo de incorporação e, portanto, passa a ser o animal ou o objeto. Esse recurso literário é conhecido como antropomorfismo ou personificação. É “um conceito filosófico que está associado às formas humanas, ou seja, ele atribui características físicas, sentimentos, emoções, pensamentos, ações ou comportamentos humanos aos objetos inanimados ou aos seres irracionais”45. A palavra antropomorfismo significa “dar uma forma humana a uma coisa não humana, dar características ou comportamento humano” (Bloomsbury) ou “atribuir forma humana ou personalidade às coisas” (Merriam-Webster).

O antropomorfismo é muito comum nas sociedades humanas. Personificar ou antropomorfizar é um tipo de metáfora que apresenta um conceito como se fosse outro e, nesse caso, portanto, trata um não humano como se fosse um humano. Uma área de estudo sobre antropomorfismo e personificação foca na religião e nas formas concretas dos espíritos divinos, mas não vamos tratar disso neste livro porque o nosso foco está na literatura e na criatividade. Sabemos que, na maioria das vezes, o antropomorfismo é um tipo de fingimento, ou é uma coisa meramente da nossa imaginação, porque sabemos que não existem não humanos com desejos, comportamentos e línguas humanas. No entanto, essa forma de “brincadeira” faz parte da vida de todas as sociedades já conhecidas.

Os contos de fadas e as fábulas de Esopo utilizam o antropomorfismo. Nessas histórias, os animais (e às vezes outras coisas, como árvores ou um espelho) falam e pensam como se fossem humanos - apesar de geralmente manterem sua própria forma física. Nos contos de fada, vemos animais falantes como em Os Três Porquinhos e O Gato de Botas. Em Branca Neve, o espelho fala. Nas fábulas de Esopo, os animais conversam na língua humana, como em A Lebre e a Tartaruga, O Sapo e o Boi e A Raposa e a Cegonha.

O antropomorfismo acontece também em livros infantis escritos por autores conhecidos e que não fazem parte das histórias mais tradicionais. Entre muitos exemplos, podemos destacar o coelho branco, criado por Lewis Carrol em Alice no País das Maravilhas; Visconde de Sabugosa, o sabugo de milho do Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato; ou as cores falantes de Flicts, de Ziraldo. Também existem muitos exemplos entre os filmes de animação, dentre eles destacamos Shrek, Rio, Procurando Nemo e Carros da Pixar e Disney. Vemos esse fenômeno até em livros para adultos, por exemplo em A Revolução dos Bichos, publicado em 1945 por George Orwell. Apesar de ser considerado hoje um clássico moderno e abordar um assunto sociopolítico complexo, A Revolução dos Bichos foi rejeitado inicialmente por não ser “sério”, porque tratava de animais que falam e atuam como humanos, o que foi considerado infantil. Antropomorfismo em Libras não é sempre considerado infantil.

17.3. Por que antropomorfizar?

Existem muitas razões para se antropomorfizar, mas, para nossos estudos de literatura em Libras, um dos principais motivos é porque isso é bem divertido. O filósofo francês Henri Bergson afirmou (em 1900) que os humanos não riem das coisas totalmente não humanas, mas que o riso é gerado quando percebemos traços de humano no não humano.

Não há comicidade fora do que é propriamente humano. Uma paisagem poderá ser bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia, porém jamais risível. Riremos de um animal, mas porque teremos surpreendido nele uma atitude de homem ou certa expressão humana. Riremos de um chapéu, mas, no caso, o cômico não será um pedaço de feltro ou palha, senão a forma que alguém lhe deu, o molde da fantasia humana que ele assumiu (tradução em português, 1983, p. 07).

Em Libras, o ato de incorporar um não humano no corpo humano do sinalizante apresenta “uma atitude de homem ou certa expressão humana”, e isso por si já é divertido.

Outro objetivo com o uso do antropomorfismo é o de mostrar uma perspectiva diferente porque, ao assumirmos lugares não humanos, podemos entender uma situação melhor através de outro olhar. Nas fábulas, isso é importante para o ensino da moral.

17.4. Como antropomorfizar? Conteúdo ou forma?

Os objetos e animais antropomorfizados na literatura e nos filmes muitas vezes tomam a forma humana usando roupas, falando a língua humana e participando em diversas atividades humanas. As características humanas que damos aos não humanos são de dois tipos principais: comportamento e forma. No comportamento, atribuímos os desejos humanos aos não humanos para explicar ou para entender o motivo de um evento. Por exemplo, digamos que o mar está brabo, com ondas altas, o sol brilha cruelmente, o carro se recusa a ligar, o cachorro abana o rabo de felicidade e dois passarinhos namoram. Em nenhum desses exemplos podemos verificar emoções na entidade não humana. Mas quando se dá forma humana aos não humanos, vemos os traços humanos (especialmente o rosto) em diversos objetos, por exemplo, nas nuvens, nas pedras, ou até num pão torrado (ANDRADE, 2015).

Nas línguas orais, é fácil falar sobre os não humanos como se fossem indivíduos, usando as palavras designadas para ações humanas. Além disso, vemos os antropomorfismos nas imagens, especialmente em desenhos animados e ilustrações. Porém, não é fácil mostrar por meio da língua de que maneira, por exemplo, uma geladeira se comporta, fala ou usa a voz. E um espelho? Um tomate? Um pássaro, um sapo ou uma leoa?

Por outro lado, um sinalizante consegue mostrar diretamente a forma, o comportamento e até mesmo a fala dos não humanos em razão da modalidade visual das línguas de sinais. Em Libras, apresentamos o que podemos mostrar sobre as formas humanas através do nosso corpo. Quando não conseguimos mostrar diretamente, usamos as mãos para representar. Não é fácil fazer isso de uma maneira imaginativa, interessante, suave ou engraçada em Libras, mas quem consegue fazer um texto muito criativo com êxito é muito valorizado na comunidade surda.

Os não humanos incluem, entre outros, animais (por exemplo, um gato ou um caramujo), plantas (uma árvore), elementos naturais (como uma montanha), objetos feitos por humanos (por exemplo, um carro), lugares (uma cidade) e qualidades e conceitos abstratos (como, por exemplo, a consciência ou a inveja). A maneira de incorporar esses diversos tipos de não humanos em Libras será diferente dependendo da similaridade entre o corpo do não humano e do humano. A forma do gato, por exemplo, é mais parecida com a de um humano do que a do caramujo.

Podemos falar de um animal com características humanas usando a língua cotidiana. É assim que vemos frequentemente na literatura escrita em português. Também temos isso em Libras, inclusive nas narrativas recontadas de histórias em língua portuguesa. Na fábula O Sapo e o Boi, Nelson Pimenta usa os sinais imponente (para o boi) e inveja (para o sapo), dando qualidades e emoções humanas aos não humanos. O sapo e seus amigos conversam entre si de uma maneira totalmente humana. Também no conto A Rainha das Abelhas, traduzido para Libras por Mariá de Rezende Araújo, a formiga, o pato e a abelhas conversam com o humano normalmente em Libras, como se fossem como ele. Entendemos que os animais ainda são animais, com forma, habilidades e tamanhos próprios de cada espécie, mas o antropomorfismo está totalmente presente no conceito e não na forma linguística da apresentação.

Na literatura em Libras, especificamente, também temos a opção de dar forma humana ao não humano por meio da incorporação. Com esse recurso, em Libras, normalmente incorporamos outra pessoa. Vemos um mapeamento simples entre o corpo do sinalizante e o do personagem. A cabeça do narrador é a cabeça do personagem; o seu tronco é o tronco do personagem; os olhos são os do personagem; as mãos são as mãos do personagem, os membros são os membros do personagem e assim por diante. A expressão facial do artista mostra as emoções atrás da mesma expressão facial do personagem.

Diferentemente, quando o artista incorpora um animal, sua cabeça se torna a cabeça do personagem animal; seu tronco é o tronco do animal; seus olhos são os do deste. Mas, os membros específicos do humano não são os membros específicos do animal (estes podem representar ações humanas ou animais). A expressão facial do artista não mostra as emoções por trás da expressão facial do personagem não humano, porque sabemos que as emoções dele não são iguais às do humano.

Quando o sinalizante se torna um objeto inanimado, a relação entre as formas do humano e o objeto é ainda mais reduzida porque as formas e os comportamentos dos objetos e dos seres humanos são muito diferentes. Aceitamos o fato de ver uma expressão facial e olhos em uma árvore, num carro ou numa montanha, apesar deles não possuírem rostos e olhos, porque o artista não pode desligar as partes do corpo desnecessárias. Se o objeto se comporta com características humanas, a expressão facial e os olhos podem mostrá-las.

As partes físicas análogas dos não humanos são tratadas como membros ou outras partes do corpo em relação à forma, como acontece quando usamos nossos braços para significar asas, ou os dedos para mostras galhos. Em Tinder, de Anna Luiza Maciel, o rosto e o tronco dela representam a tela do celular, delineada pelas mãos. O rosto e a cabeça são a tela quando ela a desliza, mas também o corpo inteiro se torna o celular quando ela digita um número no teclado. Vemos o mesmo na história O Espelho (Mirror), de Richard Carter.

Alguns animais que podem sinalizar usam sinais baseados na forma de seus membros, modificando os parâmetros do sinal conforme as possibilidades físicas. As diferenças podem estar na configuração da mão, na locação ou no movimento, mas, principalmente, na forma das mãos. Aranhas e polvos, por exemplo, podem soletrar porque têm oito pernas que se transformam em oito dedos. Cobras não têm membros para atuar como uma mão no antropomorfismo, mas é possível usar sinais com a configuração de mão de um dedo, porque podem sinalizar com o rabo. Os gatos, ursos e leões sinalizam com as patas, facilmente criadas no corpo humano com as mãos abertas em garras. Já vimos um ótimo exemplo disso em Leoa Guerreira, de Vanessa Lima (no capítulo 05), no qual a leoa produz quase todos os sinais com essa configuração de mão.

Os objetos inanimados sinalizam pouco em Libras porque eles não têm a forma física que permite a produção dos sinais. As plantas podem sinalizar com as folhas, as árvores com os galhos e os aviões com as asas, mas a maioria dos objetos não tem forma para sinalizar. Por exemplo, um tomate, uma montanha e uma geladeira não têm uma parte física que se aproxime à forma das mãos. Ou eles sinalizam de uma forma totalmente humana e entendemos que o antropomorfismo é completo, ou eles se comunicam apenas não manualmente.

A narrativa O Passarinho Diferente, contada em Libras por Nelson Pimenta, é uma história que contém muito antropomorfismo. Fala de uma família de águias na qual nasce um filhote pequeno com um bico curto e reto. Apesar de falar das aves, essa fábula é claramente uma história humana em que elas leem jornais, consultam médicos e frequentam igrejas e escolas, onde leem e escrevem. A narrativa é contada com muita incorporação dos personagens não humanos. Essa incorporação às vezes mostra como se as aves tivessem um corpo humano e, em outras vezes, Nelson incorpora o corpo da ave. Em alguns momentos, as águias têm asas, em outras vezes, parecem ter braços. Nada disso atrapalha a história e Nelson mescla os dois mundos suavemente para criar um mundo narrativo em que acreditamos que as aves estão mesmo tendo experiências humanas. Elas têm asas para voar, as águias caçam coelhos e o passarinho canta e come uvas, mas em paralelo a isso, a vida deles é como a dos humanos e todos pensam e conversam de uma forma totalmente humana.

17.5. Níveis de antropomorfismo

O antropomorfismo em Libras não é sempre igual. Em uma pesquisa anterior, descrevemos diferentes níveis de antropomorfismo: descritivo, pré-linguístico e linguístico (SUTTON-SPENCE e KANEKO, 2016). Vamos falar sobre esses três.

17.5.1. O nível descritivo

Nesse nível, o antropomorfismo ocorre puramente na forma e não no conceito. O sinalizante descreve o não humano com o corpo, mas não mostra outras características humanas. A incorporação do não humano basta para antropomorfizar, ainda que possamos perceber características humanas na apresentação do não humano.

Na história Eu x Rato, Rodrigo Custódio da Silva incorpora o rato. O rosto dele é o rosto do rato, os dedos dele representam o bigode, o dedo indicador é o rabo e as mãos são as patas. O rato é totalmente descrito como um rato, sem desejos ou comportamentos humanos. De forma similar, Aulio Nóbrega descreve detalhadamente o monstro em Jaguadarte. O corpo dele é o corpo do monstro. As mãos mostram o que falta no corpo humano, por exemplo o rabo, as garras e os dentes enormes. Essa relação entre os dois seres é muito divertida. Salientamos, no entanto, que o monstro é completamente monstro, e não que tem traço humano além de ter sido recriado e representado pelo corpo humano.

No poema Saci, Fernanda Machado descreve a onça e o papagaio em Libras usando o seu corpo humano. As mãos mostram o movimento do papagaio enquanto o corpo, os olhos e a cabeça da poeta incorporam o papagaio repousando na árvore. A mão mostra o movimento felino da onça por meio de um classificador e a boca o rugido. A boca de Fernanda também apresenta o rugido porque é a representação da boca da onça. Porém, os animais se comportam como animais e não têm desejos, emoções nem falam línguas humanas.

Na narrativa Príncipe Procurando Amor, de Richard Carter, o sapo feio não tem comportamento humano. Já vimos, no capítulo 10, que Richard transforma seu corpo no corpo do sapo. As mãos humanas são os pés abertos do sapo. Os pequenos olhos humanos são aumentados pelas mãos para virarem os grandes olhos do sapo e, o papo do sapo, que os humanos não têm, é criado com as mãos. No momento em que o sapo pega a mosca, a língua humana sai da boca humana, como uma representação do sapo, mas também os dedos se abrem e se deslocam na direção da mosca para revelar a língua extensa do sapo.

17.5.2. O nível pré-linguístico

Neste, atribuímos emoções, intenções ou outros sentimentos e comportamentos aos não humanos, mas eles não se comunicam através da língua humana. Frequentemente, essas caraterísticas são simplesmente ditas ou contadas, como vimos anteriormente com o boi imponente ou o sapo invejoso. Mas, em Libras artística, a forma de mostrar essas atribuições gera prazer.

No poema Voo Sobre Rio, os dois pássaros namoram com uma mistura de comportamento humano e não humano, gerando um prazer especial no público. Embora eles comam e façam carinhos nas cabeças com os bicos, algumas atividades sugerem que os pássaros têm uma forma mais humana. O macho mexe com as sobrancelhas e a fêmea arruma os cabelos (lembramos que os pássaros, na verdade, não têm sobrancelhas nem cabelos), mas a “mão” que se move é o classificador que mostra a cabeça com o bico e o corpo do pássaro. O macho faz “quá-quá” (forma natural de comunicar de uma ave), mas quando a fêmea não responde ele fica feliz (que é uma emoção humana) porque ela é surda. As expressões não manuais das aves mostram as emoções humanas de dúvida, prazer, indignação, desculpas e amor.

Na história Príncipe Procurando Amor, de Richard Carter, o sapo bonito chega ao nível pré-linguístico. Ele sente orgulho e mostra a intenção de receber o beijo do humano, mas não usa a língua humana. Virando um humano, depois de receber o beijo, ele usa os sinais do vocabulário de BSL como humano (“encontrei o amor eterno”), mas quando ele olha com desdém ao outro sapo no final, vemos aqui um exemplo de nível pré-linguístico.

Normalmente, os olhos, a cabeça e outros elementos não manuais expressam emoções e desejos humanos dos não animais. Vemos isso no comportamento da árvore no poema , de Fernanda Machado, que mostra cautela, felicidade, carinho, medo e alívio por meio dos olhos, da expressão facial e de outros elementos não manuais. Normalmente, os não animais não sinalizam. Às vezes, as árvores sinalizam porque o classificador de uma árvore tem a mesma forma de uma mão, e a incorporação da árvore mostra a forma parecida entre um tronco humano e um tronco de árvore, sendo os braços do humano os galhos da árvore. No poema , as árvores acenam para dizer “olá”, mas elas comunicam pouco manualmente.

Nos exemplos selecionados no início do capítulo, Bolinha de Ping-pong, Golf Ball, e , os objetos mostram emoções e desejos de forma não manual. Eles comunicam apenas por esse meio, e não sinalizam porque não têm mãos, sendo esféricos ou quadrados. Alguns objetos inanimados usam o corpo para representar ações humanas. Por exemplo, os espelhos na narrativa de Richard Carter estufam o peito para atrair a atenção humana. O pesquisador surdo Frank Bechter (2008) defende que os objetos mostrem a experiência dos surdos, sendo “mudos” por falta de mãos e incapazes de comunicar e entender o mundo ao redor deles. Em muitas narrativas em que os objetos não podem comunicar, eles sofrem opressão. Os objetos que conseguem comunicar estão liberados e não sofrem mais46.

17.5.3. O nível linguístico

No nível linguístico, atribuímos a língua humana ao não humano. Se essa atribuição for totalmente conceitual, os não humanos sinalizam de forma exatamente igual aos humanos, como vimos nas fábulas de Esopo e nos contos de fadas como A Rainha das Abelhas. Sabemos que não são humanos, mas aceitamos que eles dominem a Libras.

Podemos mostrar o conceito de humano também ao se manter a forma de uma parte animal. A Leoa Guerreira, de Vanessa Lima, sinaliza em Libras, mas com a forma metade animal e metade humana. É essa mescla de humano e não humano que achamos mais engraçada em Libras, como observou Bergson (citado no início do capítulo).

O caso do pássaro em Voo sobre Rio é um exemplo raro, mas importante, que mostra outra possibilidade. No encontro com a fêmea, o macho faz “quá-quá” como um não humano, mas, depois disso, ele usa os sinais da Libras surdo e igual. A locação e o movimento dos sinais estão certos, mas a configuração de mão não é de Libras natural, nem um classificador de asas na incorporação. O sinal é feito com o classificador que mostra a cabeça e o tronco do bicho. Isso não faz nenhum sentido linguístico, mas aceitamos a sua ocorrência no poema porque a manutenção do classificador mostra a identidade do pássaro e a artista incorporou o corpo e a expressão facial dele – tudo, além da mão.

resumo

17.6. Resumo

Nesse capítulo, exploramos o conceito de antropomorfismo. Entendemos que a ideia de se atribuir emoções, comportamentos e formas humanas aos não humanos é comum na literatura em Libras. As línguas faladas podem falar sobre o conceito, e as imagens e os desenhos podem mostrar os antropomorfismos. Mas vimos que os artistas criativos de Libras podem usar a língua e as técnicas gestuais para mostrar o antropomorfismo, de tipo basicamente descritivo, pré-linguístico ou linguístico. No nível linguístico, especialmente, a possibilidade de se mapear a forma do corpo humano que sinaliza a forma dos não humanos permite a alguns animais e objetos comunicar em Libras do jeito do seu corpo. Mas, se não há a opção física para permitir ao não humano sinalizar do seu jeito, ele deve comunicar totalmente de forma humana. Tudo isso gera um grande encanto no espectador.

atividade

17.7. Atividade

Vamos assistir à A Rainha das Abelhas, de Mariá de Rezende Araújo, em Libras, Príncipe Procurando Amor, de Richard Carter, em BSL e Golf Ball, de Stefan Goldschmidt, obras que envolvem personagens não humanos.

  • Liste os personagens não humanos que aparecem.
  • Como o narrador representa esses personagens?
  • Tente categorizá-los nos níveis: descritivo, pré-linguístico e linguístico. Lembre-se que eles podem não se encaixar perfeitamente nessas categorias.
  • Você acha que esses personagens são surdos? Explique por quê.
Esse texto é em BSL, mas tudo é feito através de classificadores, com exceção dos últimos sinais, que significam “Encontrei meu amor eterno”. https://www.todamateria.com.br/o-que-e-antropomorfismo No final da história da Bolinha de pingue-pongue, a bolinha pede ajuda com um sinal humano da Libras, apesar de não ter mãos. Isso não incomoda o público, que entende bem que é apenas um sinal. É nesse momento de comunicar em Libras que a bola é resgatada.