Parte 3 - Elementos de linguagem estética
18. Repetição, ritmo e rima
Neste capítulo, focaremos nos elementos que são repetidos na literatura em Libras e nos efeitos literários dessa repetição, a exemplo do ritmo e da rima.
Um dos principais efeitos da repetição na literatura em Libras é o de destacar a linguagem, colocá-la no primeiro plano. No uso da língua cotidiana, normalmente seguimos as regras do próprio idioma e, assim, a forma da língua tem pouca coisa de inesperado. Por isso, não percebemos a linguagem que usamos para comunicar e focamos principalmente na mensagem comunicada. A língua pode se tornar “notável” ou se destacar quando quebramos suas regras. Isso chama atenção a ela. Desse modo, na literatura em Libras podemos criar um significado adicional usando poucas palavras.
A ruptura de regras pode acontecer de duas formas. Primeiramente, quando fazemos alguma coisa que a língua normalmente não faz, e a isso chamamos de “irregularidade notável”. Podemos quebrar as regras do léxico na criação de palavras ou sinais que ninguém jamais viu antes, ou podemos mexer com as normas semânticas e usar sinais já existentes, mas com novos sentidos metafóricos. A irregularidade notável em Libras acontece cada vez que um artista literário cria um sinal agradável com classificadores ou pela incorporação (ver capítulo 04), ou, também, quando brinca com a estrutura dos sinais (como veremos no capítulo 19 sobre o humor em Libras) (QUADROS e SUTTON-SPENCE, 2006).
Outra forma de colocar a língua no primeiro plano é usando um elemento já existente nela, que tenha frequência incomum, para realçar ou destacar a linguagem utilizada no poema. Dessa forma, temos a “regularidade notável”. O uso da repetição para criar uma frequência incomum é o nosso foco neste capítulo.
Vamos falar dos seguintes vídeos na nossa exploração do assunto:
- Amar é também silenciar, de Rafael Lopes dos Santos (Lelo).
- Árvore, de André Luiz Conceição.
- As Brasileiras, de Anna Luiza Maciel e Klícia Campos.
- Ave 1 x 0 Minhoca, de Marcos Marquioto.
- A Pedra Rolante, de Sandro Pereira.
- Cinco Sentidos, de Nelson Pimenta.
- Como Veio Alimentação, de Fernanda Machado.
- O Jaguadarte, de Aulio Nóbrega.
- Lei de Libras, de Sara Theisen Amorim e Anna Luiza Maciel.
- Meu Ser é Nordestino, de Klícia Campos.
- O Modelo do Professor Surdo, de Wilson Santos Silva.
- Peixe, de Renato Nunes.
- Saci, de Fernanda Machado.
- Tinder, de Anna Luiza Maciel.
- Tree, de Paul Scott.
- Voo sobre Rio, de Fernanda Machado.
18.1. Efeitos da repetição
A repetição cria padrões que se destacam como incomuns. Acima de tudo, em muitos poemas, ela cria um efeito estético, fazendo-os parecerem elegantes ou divertidos. Admiramos a habilidade do poeta de manter rigorosamente os padrões repetitivos. Normalmente, no entanto, repetir um elemento por muito tempo pode gerar cansaço no público espectador, então a repetição é usada cuidadosamente com a intenção de se criar outros efeitos. Podemos destacar as relações inusitadas entre palavras e ideias, criando um significado que vai além no poema.
A repetição pode acarretar tensão antes de uma resolução. Por exemplo, no poema Ave 1 x 0 Minhoca, de Marcos Marquioto, a reprodução dos sinais que mostram os movimentos da ave e da minhoca durante a caça aumenta a tensão entre elas, até que a ave pega a minhoca.
É a repetição que cria a simetria na literatura em Libras, como estudamos no capítulo 15. Sem ela, não temos simetria fora de uma mão, porque a simetria faz parte de padrões e precisa de mais do que uma unidade para criá-los.
Repetir sinais ou parâmetros de sinais também contribui à criação de imagens visuais fortes e agradáveis. Ver os novos sinais estéticos ou outros elementos irregulares múltiplas vezes em um poema serve para destacar a criatividade. Por exemplo, no poema Voo sobre Rio, de Fernanda Machado, o sinal que descreve o Pão de Açúcar com o teleférico é enfatizado ao ser repetido pela segunda vez.
18.2. Elementos repetidos
Veremos muita repetição em um poema (também em muitas narrativas, mas principalmente nos poemas), e esse recurso pode gerar ritmo. Essas repetições podem acontecer em todos os níveis: no início da frase, no final dela ou, simplesmente, “às vezes”, ou seja, de forma quase aleatória.
18.2.1. A repetição de um sinal
No nível do léxico, o artista pode repetir um sinal. Por exemplo, no poema Tree, de Paul Scott, e nos poemas-homenagem a este como Árvore, de André Luiz Conceição e , de Fernanda Machado, vemos repetido o sinal com movimento circular sol-nasce-e-se-põe. Cada vez que vemos esse sinal, sabemos que o tempo passa antes de um novo evento na vida da árvore, e isso dá um ritmo confortável ao poema. O mesmo sinal aparece no poema Amar é também silenciar, de Rafael Lopes dos Santos (Lelo), para dividi-lo em seções sobre os diferentes amores.
18.2.2. A repetição de uma frase
No nível da frase, veremos repetição numa sequência de sinais. No poema Cinco Sentidos, contado em Libras por Nelson Pimenta, o personagem pergunta a cada sentido (tato, paladar e olfato) “Você, quem é?”, e o sentindo responde “Quem sou? Olhe para mim. Vamos juntos”; depois cada um começa a descrever quem é, antes de falar “Você me conhece agora”. Essa repetição tripla promove um sentimento de prazer em se ver um padrão conhecido, mas também cria um momento inesperado quando o quarto sentido não dá a mesma resposta que os demais.
A obra A Pedra Rolante, de Sandro Pereira, mostra muita repetição, inclusive a da sequência dos sinais classificadores dos personagens caçando a pedra. Vemos a mesma repetição dos personagens já introduzidos e depois o mais recente. Por exemplo, primeiro vemos a pedra passando, depois a pedra e o cavalo; na terceira vez vemos a pedra, o cavalo e a mulher; na quarta vez, vemos a pedra, o cavalo, a mulher, o idoso e o pássaro; depois observamos a pedra, o cavalo, a mulher, o idoso, o pássaro e o gordo; e finalmente a pedra, o cavalo, a mulher, o idoso, o pássaro, o gordo e os surdos. Com os participantes na fila da caça, cada sinal se repete com o mesmo movimento em diversas direções. Assim como no poema , a repetição produz uma sensação prazerosa ao ver o padrão crescente e, também, provoca admiração diante das habilidades do poeta em fazer tantas repetições sem cometer um erro.
18.2.3. Repetição gramatical de tipos de sinais
Já sabemos que a Libras tem diferentes tipos de sinais, como de vocabulário, classificadores de diversas perspectivas e de incorporação. O poeta pode criar um padrão de repetição ao repetir os tipos de sinais desejados.
Na narrativa poética A Pedra Rolante, Sandro Pereira apresenta uma sequência de sinais manualmente e depois os mesmos movimentos não manualmente. Sem ver a primeira sequência, o público não vai entender o encadeamento não manual, mas as duas juntas criam um efeito muito agradável e permitem que o público use a imaginação para criar a imagem visual usando as sugestões dos olhos e a memória dos sinais já apresentados.
O poeta também pode repetir o mesmo evento a partir de perspectivas diferentes. Por exemplo, em Tinder, de Anna Luiza Maciel, cada ação da mulher mexendo no celular é repetida da perspectiva do celular.
Podemos criar um padrão repetido de sequências escolhidas dos sinais de vocabulário, de classificadores e de incorporação. O poeta escolhe o encadeamento, por exemplo “sinal – incorporação – classificador”, “sinal – incorporação”, “sinal – classificador”, ou “incorporação – classificador”. No poema A Pedra Rolante, Sandro Pereira incorpora cada novo personagem que entra na caça e depois mostra o classificador correspondente a cada um deles.
Dentro dos classificadores, temos a opção de escolhê-los segundo perspectivas diferentes. Por exemplo, no poema , de Marcos Marquioto, cada apresentação da ave e da minhoca tem um classificador que mostra os dois animais cada vez mais próximos.
Essas repetições, já descritas, de sinais individuais, de uma estrutura sintática gramatical ou até mesmo de um discurso, podem simplesmente provocar uma emoção de prazer no público, mas, também, criar a própria estrutura do poema, delineando unidades parecidas com estrofes ou com o conceito de verso nas línguas escritas (lembrando que os poemas sinalizados em Libras não têm versos da mesma forma que os poemas escritos em português porque não são escritos).
18.2.4. A repetição dos elementos internos aos sinais
A poeta surda Dorothy Miles, nos anos 70, começou a criar poemas em ASL com diferentes sinais de mesma configuração de mãos. Ela descreveu essa repetição como sendo parecida com a rima nas línguas orais. Vemos a repetição dos parâmetros dos sinais hoje em Libras especialmente nos poemas mais líricos. Em Meu Ser é Nordestino, de Klícia Campos, a mesma configuração de mão ocorre nos sinais ave-voando, rio-descendo-das-montanhas e rio. Uma outra configuração de mão acontece nos sinais terra-seca, árvore-torta e sol-forte. No haicai Peixe, de Renato Nunes, todos os sinais usam a mesma configuração de mão. Podemos até manter esse parâmetro para criar um sinal “errado” para sustentar o padrão. Em , de Fernanda Machado, o pássaro macho sinaliza que a fêmea é surda como ele. Os sinais surdo e igual têm movimento e locação natural, mas a configuração de mão dos dois é “errada” por ser a mesma dos outros sinais naquele trecho que usa o classificador do pássaro com bico.
Embora Dorothy Miles sugira que a repetição de um parâmetro estrutural dos sinais possa criar um efeito parecido com a rima, tal repetição também é semelhante à aliteração nos poemas escritos e orais. Na rima, a parte final de diversas palavras tem as mesmas letras ou os mesmos sons. Em português, as palavras “patas” e “latas” ou “pura” e “dura” criam o efeito de rima porque a porção final das palavras é igual. Na aliteração, a primeira parte de palavras diferentes é igual. Vemos exemplos de rima e aliteração no poema Violões que choram (do poeta simbolista João Cruz e Sousa, 1897).
Violões que choram
(do poeta simbolista João Cruz e Sousa, 1897).
Vozes veladas. Veludosas vozes.
Volúpias dos violões, vozes veladas
Vagam nos velhos vórtices, velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Há rima em “vozes” e “velozes” e no par “veladas” e “vulcanizadas”; e vemos aliteração em todas as palavras que começam com a letra “V”.
Em Libras, o uso de sinais com a mesma configuração de mão, locação ou direção de movimento pode gerar um efeito parecido, mas não igual à rima ou à aliteração. Esses efeitos, em português, são criados dentro da estrutura temporal de uma palavra, mas em Libras, os parâmetros existem simultaneamente. Dificilmente podemos dizer que a configuração de mão vem antes ou depois do movimento num sinal, porque a mão que se move já deve ter uma configuração.
A rima normalmente acontece no final do verso nos poemas em português, mas em Libras não ocorre assim. A repetição pode gerar um tipo de “estrofe” em que uma seção do poema usa vários sinais do mesmo parâmetro e a seção seguinte usa outros sinais de outro parâmetro, mas, principalmente, ser um recurso estético para se criar efeitos estéticos, simbólicos e metafóricos.
18.3 Ritmo
Ritmo é o efeito que percebemos quando os padrões de repetição são organizados no espaço ou no tempo. Em Libras, o ritmo vem do fluxo visual dos sinais, e vemos padrões de tempo (por exemplo, variação organizada na velocidade ou duração do movimento de sinais e pausas entre eles), ou da ênfase do movimento (alteração entre movimento agudo e suave, por exemplo). Qualquer tipo de padrão nos sinais e de variações desse padrão pode criar um ritmo visual e temporal. Por exemplo, o aumento ou a diminuição no número de dedos usados em uma forma de mão, a alteração no tamanho de uma imagem ou o uso das diferentes articulações (dedo, punho, cotovelo ou ombro).
Cada uma das repetições descritas pode gerar um ritmo, mas o tempo, a qualidade e a duração dos movimentos dos sinais contribuem muito à sensação de ritmo (KLAMT, MACHADO e QUADROS, 2014).
18.3.1. Repetição do tempo
A duração, a velocidade, o tipo de movimento de um sinal e a duração das pausas criam um ritmo nos poemas. O poeta surdo Clayton Valli (1993) afirmou que o ritmo da poesia sinalizada se encontra nas mudanças que ocorrem dentro dos sinais ou na transição de um sinal para o próximo (nos "movimentos") e em períodos sem mudança (nas "pausas"). Usando seus próprios poemas em sua pesquisa, ele categorizou as maneiras pelas quais podemos criar o ritmo de poesia em ASL. Podemos usar os mesmos critérios para Libras.
Ele destacou quatro categorias de movimentos e pausas que poetas manipulam para criar um ritmo poético:
- Ênfase na suspensão (pausa longa, pausa sutil, pausa brusca)
- Ênfase no movimento (longo, curto, alternado, repetido)
- Tamanho do movimento (movimento de trajetória ampliada, movimento reduzido, movimento de trajetória reduzida, movimento acelerado)
- Duração do movimento (regular, lento ou rápido)
No poema Lei de Libras, de Sara Theisen Amorim e Anna Luiza Maciel, o ritmo forte é criado parcialmente pela duração dos movimentos dos sinais e pelas pausas. A velocidade mais rápida e a ênfase no movimento criam uma energia nos sinais que gera uma impressão de leveza e de alegria. Os sinais em , de Klícia Campos, por outro lado, têm uma redução da velocidade, são mais lentos, os movimentos mais longos com pausas destacadas, até que a protagonista rejeita a opressão e o sofrimento. A partir desse ponto, os movimentos são mais curtos e reduzidos, o início e o término dos sinais são mais acentuados, dando a ideia de mais energia e firmeza.
Já que vimos algumas possibilidades para repetição de elementos e os seus efeitos, passamos agora para o número de repetições e os padrões criados.
18.4. Padrões de repetição
Podemos repetir elementos poéticos várias vezes.
18.4.1. Duas vezes
Na literatura em Libras, é mais comum apresentar os elementos duas vezes. Como vimos no capítulo 15, isso cria uma sensação de equilíbrio muito satisfatória para o público. Como o corpo humano tem dois braços e duas mãos, duas pernas e dois pés, temos uma estabilidade que não temos com apenas um desses membros. Conceitualmente, também vimos que o fato de se falar de duas coisas cria um contraste entre elas. Como temos duas mãos e o espaço de sinalização é facilmente dividido nos lados esquerdo e direito, fica fácil recorrer à quantidade de “dois” para os referentes.
No poema , de Klícia Campos, vemos dois rios descendo de duas vertentes, cada rio sinalizado por uma mão no lado esquerdo e outra no direito. Vemos a vasta área da terra seca sinalizada por duas mãos. Vemos as bandoleiras carregadas de balas nos dois lados do corpo, cada uma sinalizada por uma mão.
Para falar de duas pessoas, temos a possibilidade do contraste, que cria cooperação ou conflito entre elas. No poema O Modelo do Professor Surdo, de Wilson Santos Silva, vemos o padrão de uma repetição, apresentado “duas vezes”, para dar a ideia de cooperação. No primeiro contraste, temos o professor que sabe Libras e os alunos que não sabem, que dão o contraste. No segundo, temos dois alunos. Em seguida, há a repetição de uma pessoa em duas épocas: o professor como adulto que sabe Libras e o professor na sua infância quando ele também não sabia a língua. Finalmente, temos o atual professor e o seu próprio professor. Essas comparações de dois tipos de personagens criam muito interesse pelo poema. Os mesmos sinais são repetidos; por exemplo, vemos primeiramente os alunos surdos fazendo gestos sem entender a vida, e depois os mesmos sinais do professor fazendo gestos quando ele era aluno, igual aos alunos dele. Vemos os sinais que o professor antigo ensinou ao atual professor e como ele aprendeu e, na repetição no poema, vemos o atual professor sinalizando da mesma maneira aos seus alunos. Essa repetição de sinais dá ênfase à ideia da continuidade entre as gerações. O adulto surdo ensina Libras à criança surda.
Em O Jaguadarte, de Aulio Nóbrega, vemos a possibilidade do conflito entre os personagens do herói e do monstro. No poema de Wilson Santos Silva descrito anteriormente, os sinais são repetidos quase que igualmente para os personagens para mostrar cooperação e similaridade entre eles. Em O Jaguadarte, a nobreza e a coragem do herói sempre contrastam com o monstro terrível e feio. Com essa contraposição na repetição dos mesmos sinais a partir de duas perspectivas, podemos ver o ataque do monstro e como o herói se defende dele.
No poema Como Veio Alimentação, de Fernanda Machado, também temos um contraste entre o lado direito e o lado esquerdo, entre a riqueza e a pobreza, entre a vida urbana e a vida rural. A repetição não é do sinal, mas sim da seleção do dedo que cria o sinal feito nos dois lados. A poeta usa o dedo indicador em dois espaços contrastantes para falar de duas pessoas - a pobre que trabalha no campo e a rica urbana que come as frutas desse trabalho. Em seguida, ela usa o indicador e o dedo médio para a pessoa pobre e os mesmos dedos para falar da rica. Embora os dedos para o trabalhador pobre estejam sempre curvados e para o rico urbano estejam retos, essa apresentação do mesmo número de dedos duas vezes cria um efeito estético e faz uma ligação forte entre as duas vidas diferentes.
18.4.2. Três vezes e três mais um
A apresentação de três sinais, ou de um sinal três vezes, também é comum. Apesar de o corpo humano não ter três mãos, temos três principais articuladores em Libras: as duas mãos e o corpo central com a cabeça e o tronco do sinalizante. O espaço também é facilmente dividido em três partes – o lado esquerdo do corpo, o eixo central que é o corpo e o lado direito. Leva um pouco mais de tempo apresentar um sinal três vezes do que por duas vezes e, talvez, seja uma razão pela qual os poetas articulam menos um sinal três vezes. No entanto, é comum se apresentar três eventos, ou dividir o poema em três partes. Isso está relacionado à divisão da estrutura narrativa que consideramos no capítulo 11, com introdução, complicação e fechamento.
No poema Lei de Libras, de Sara Theisen Amorim e Anna Luiza Maciel, vemos estruturas caraterizadas pelo número três. Há três partes no dueto. Na primeira, as duas poetas apresentam os mesmos sinais simultaneamente; na segunda, elas mostram as ideias em turnos diferentes e fazem isso três vezes; na terceira, elas voltam a sinalizar simultaneamente. Na primeira parte, elas apresentam o mesmo sinal três vezes. Simultaneamente, cada poeta sinaliza libras duas vezes – primeiro do lado de fora e depois do lado de dentro, e, na terceira articulação, elas criam o sinal juntas usando a mão ativa de uma e a mão passiva de outra. Elas fazem isso também com o sinal lei. O efeito estético é forte, e cria um ritmo de 1, 2, 3.
O poema Voo sobre Rio, de Fernanda Machado, não tem o ritmo interno de apresentação de sinais três vezes, mas é dividido em três partes: a viagem de chegada da ave, o encontro com a outra ave e a viagem de volta. Ave 1 x 0 Minhoca, de Marcos Marquioto, tem um ritmo de 1, 2, que mostra o movimento da minhoca e o mesmo movimento da ave, mas é construído para apresentar três perspectivas dos dois bichos: mais distante, mais ou menos distante e mais perto – desde o momento em que a minhoca percebe a ave e tenta fugir, até que a ave a pega.
18.4.3. Quatro
É menos comum ver sinais apresentados quatro vezes ou em quatro lugares específicos dentro do espaço de sinalização, porque isso leva mais tempo, mas é possível de acontecer. O poema As Brasileiras, de Anna Luiza Maciel e Klícia Campos, apresenta os sinais quatro vezes para criar um ritmo em que as duas mulheres comparam as suas vidas. O sinal classificador que mostra as pessoas no Nordeste é apresentado quatro vezes, as quatro casas simples são colocadas nos dois lados da estrada; em comparação, quatro grandes prédios são apresentados em São Paulo. Porém, dividir um poema em quatro partes é mais comum. Nas quatro partes desse poema, apresentadas em quatro locais, vemos que ele começa com a introdução, que é o encontro das duas mulheres, depois, a parte central do poema, segue com a descrição das duas paisagens, dos modos de transporte diferentes, dos dois climas diferentes que deixam uma com sede; e finaliza quando uma joga a água para a outra pegar.
18.4.5. Muitas repetições
Até agora, o único conto poético bem conhecido em Libras com um número alto de repetições é A Pedra Rolante, de Sandro Pereira (traduzida e adaptada da história “Ball Story”, do poeta surdo Ben Bahan, em ASL). Além da pedra mágica que sai para passear na rua, sete personagens saem para caçar (o cientista montado num cavalo, o cachorro, a menina patinando, o idoso, o pássaro, a gorda e os surdos), e eles passam por sete lugares. A repetição é muito divertida, serve para criar uma sensação prazerosa e gera uma expectativa no público com a previsão da próxima repetição. Ao se introduzir cada novo personagem, também ocorre a repetição do uso de classificadores e a incorporação. A repetição de elementos não manuais é especialmente divertida nessa história. Podemos dizer que o objetivo dela é mostrar essas repetições, porque há tantas delas que resta pouco tempo para se contar mais sobre a história além da caça.
18.5. Resumo
Nesse capítulo, investigamos um elemento muito comum da literatura em Libras, a repetição. Isso talvez seja fundamental para alguns tipos de poemas em língua de sinais. Vimos que a repetição, e suas formas, sendo de diversos tipos e níveis nas histórias e nos poemas, faz parte da criação de um ritmo visual. Esse ritmo é divertido e estético, mas também cria sentidos que vão além do conteúdo dos sinais. Mostramos, também, exemplos com diferentes números de repetições influenciados pela forma do corpo humano, articulando a literatura ao tempo necessário para realizá-las.
18.6. Atividade
Escolha um poema que tenha muitas repetições (nem todos têm, mas para algumas definições de poesia deve haver alguma forma de repetição) e:
- Identifique exemplos de repetição de elementos internos aos sinais (configuração de mão, locação, movimento, elementos não manuais);
- Identifique exemplos de repetição do sinal; e
- Identifique exemplos de ritmo.
Esses elementos fazem parte da poesia? Que efeito eles geram?