Literatura em Libras

de Rachel Sutton-Spence

Parte 3 - Elementos de linguagem estética


13. Poema ou prosa?

lista de videos

Neste capítulo, vamos falar dos seguintes textos em Libras:

objetivo

13.1. Objetivo

Vamos falar sobre poemas em Libras para que possamos entender ainda mais sobre esse gênero. Através da análise de alguns poemas em Libras aprendemos mais sobre a forma da poesia na língua e, assim, podemos compreender melhor a linguagem estética da língua de sinais. Mas, antes de analisar um poema, talvez seja útil saber se um texto é um poema ou não. Esse é o objetivo deste capítulo33.

Uma definição simples do que é um poema em língua de sinais é: “a forma mais elevada de linguagem estética” em que a linguagem é tão importante quanto (ou ainda mais importante que) a mensagem. A linguagem poética em geral se desvia da cotidiana para que a própria língua se destaque no primeiro plano, aumentando seu poder comunicativo além do simples significado proposicional (LEECH, 1969). Infelizmente, essa definição nem sempre serve para identificar poemas, já que ela também serve para a literatura como um todo.

13.2. As dificuldades de separar poema e prosa

Uma das principais divisões entre os gêneros literários é aquela entre a poesia e a prosa. Mas devemos questionar se existe realmente uma diferença entre elas. Uma definição de prosa a identifica como a forma de uso natural da língua, com uma linguagem que não usa ritmo especial e que tem elementos lexicais e gramaticais cotidianos e comuns. Dito assim, parece que a prosa é qualquer tipo de linguagem que não é um poema. Mas, para essa definição ser útil, precisamos saber o que é um poema.

Cada sociedade tem sua própria ideia do que significa um poema e essa concepção pode variar. Podemos definir a prosa como o “não poema” e a poesia como a “não prosa” e, assim, entramos num círculo vicioso de definição. Ultimamente, não podemos separar os dois porque a distinção é artificial, mas vale a pena considerar a questão porque, ao definirmos seus conceitos, começamos a ver com mais clareza os elementos da poesia e da prosa em Libras.

Lembramos que o conceito de gênero é social, baseado nas convenções de uma comunidade. Os conceitos dos gêneros poesia e prosa não devem ser iguais nas línguas orais e escritas (como português ou inglês) e nas línguas de sinais (como Libras ou ASL). Além disso, um poema em ASL também não deve ser igual a um poema em Libras. No entanto, podemos usar ideias já desenvolvidas na literatura escrita e na análise de poemas em ASL para investigar o conceito de poesia em Libras.

As comunidades surdas têm uma longa tradição de narrativa em prosa, mas os textos que hoje chamamos de poemas só passaram a existir nos anos 70 ou 80 do século XX nos EUA (ROSE, 1992). A tradição de poesia em Libras é nova e provavelmente começou apenas no final dos anos 90. Porém, não importa que essa tradição seja recente no Brasil. A poesia em Libras está se espalhando e se desenvolvendo cada vez mais para se tornar um gênero literário importante no mundo.

Na falta de uma definição, talvez possamos oferecer exemplos de poemas até que se revele o que eles sejam de fato. Em um argumento um tanto circular, podemos até afirmar que um poema é o que está incluído numa antologia de poemas. Por exemplo, na Inglaterra, os livros Golden Treasury de Palgrave (publicado pela primeira vez em 1861) e The Oxford Book of English Verse (primeira edição de 1900) tinham tanta importância que seus conteúdos definiram o conceito de poesia por meio de exemplos (KORTE, 2000; HOPKINS, 2008). Para muitos leitores da literatura inglesa na primeira parte do século XX, os textos que constavam nesses dois livros eram poemas e os que não estavam neles incluídos não eram. A própria criação de uma antologia de poesia em Libras pode ajudar a definir o que são poemas, de modo que o que é valorizado em antologias de poemas em Libras é entendido como poesia em Libras (vamos falar mais sobre antologias no capítulo 20).

O poeta inglês TS Eliot afirmou, em 1958: "Não acredito que nenhuma distinção entre prosa e poesia seja significativa" (tradução nossa), embora ele também acreditasse que a maioria das pessoas reconheceria um poema na sua própria língua, mesmo sem ter uma definição. Não podemos separar a prosa e a poesia como duas categorias exclusivas, mas podemos, pelo menos, falar sobre as qualidades que normalmente são associadas a cada uma delas. Talvez seja possível afirmar que existe um continuum (ou uma escala) com elementos fortemente poéticos em uma extremidade e elementos fortemente prosaicos na outra ponta.

O poeta surdo Clayton Valli (1993) fez um estudo linguístico pioneiro sobre poemas em ASL. Ele observou que a distinção entre poemas e não poemas é uma questão de tendência, conforme uma obra tenha mais ou menos características poéticas. A falta de uma definição clara do que é um poema em línguas de sinais não impediu os pesquisadores de analisarem e discutirem sobre uma ampla gama de aspectos contidos na forma de arte sinalizada. Talvez uma definição provisória possa ser a de que poemas são aquilo que os pesquisadores e/ou as pessoas que criaram essas formas de arte em Libras consideram como poemas. Estudos que analisaram vários textos ou apresentações artísticas ou poéticas em Libras incluem: Machado (2013), Klamt, Machado e Quadros (2014), Barros (2014), Peixoto (2016) e Campos (2017). Em cada um desses estudos, há um entendimento claro de que os textos e as performances têm características artísticas e que, portanto, significam que podem ser denominados poemas.

13.3. Critérios para ver a diferença entre poema e prosa

Os critérios destacados por Michiko Kaneko para diferenciar poesia e prosa nas línguas de sinais são: a) comprimento; b) segmentação de verso; c) fim, função ou objetivo; d) colocação da linguagem no primeiro plano e “desfamiliarização”; e) (in)flexibilidade do texto; f) vocabulário; g) ritmo e velocidade; h) enredo e personagens; e i) regras. Nas próximas seções, veremos que alguns poemas seguem alguns desses critérios, mas nem todos os poemas seguem todos os critérios por completo.

13.3.1. Comprimento

Poemas geralmente são mais curtos do que histórias. É raro contar uma história em prosa com poucas palavras, mas num poema isso é possível. Geralmente, os poemas são curtos e têm menos de dois minutos. O poema Peixe, de Renato Nunes, dura apenas 14 segundos. Como Veio Alimentação, de Fernanda Machado, dura 36 segundos. A Economia, de Sara Theisen Amorim e Ângela Eiko Okumura, dura apenas 30 segundos.

De acordo com esse critério, um poema é uma forma comprimida de linguagem e, portanto, requer menos palavras. Mas muitas piadas são curtas também. As propagandas da televisão são breves. Nas redes sociais, vemos muitas peças mais ou menos teatrais de no máximo 90 segundos. Por outro lado, alguns textos relativamente longos ainda são poemas e, geralmente, os textos em prosa em Libras são mais curtos do que os escritos. O Voo Sobre Rio (normalmente considerado um poema) dura 00:03:46, mas Eu x Rato, de Rodrigo Custódio da Silva (uma narrativa), dura 00:04:03.

O Jaguadarte, de Aulio Nóbrega, é difícil de ser categorizado. Podemos dizer que é um poema, mas também chamá-lo de peça de teatro, ou mesmo narrativa VV. Certamente não é uma prosa comum, uma forma de narrativa com um narrador. Mas a obra leva 00:02:20 para ser apresentada e, com outras considerações que veremos, a duração pode ser uma razão para a considerarmos um poema.

Vemos então que, embora os poemas tendam a ser curtos, o comprimento por si só não distingue a poesia da prosa.

13.3.2. Segmentação de verso

A noção de “verso" é comumente utilizada para se distinguir a poesia da prosa na literatura escrita em muitas culturas, tanto nas tradições literárias ocidentais quanto nas não ocidentais. Na prosa, as quebras de linha ocorrem arbitrariamente. Na poesia, o poeta escolhe romper linhas e usar as quebras de linha e a pontuação incomuns para manter a estrutura rítmica do poema e os padrões de som (tais como rima e aliteração) ou para enfatizar certas palavras. A forma visual dos versos numa página muitas vezes sinaliza aos leitores de poesia em português que o texto é um poema. Em algumas situações, basta quebrar as linhas de um texto em prosa para se criar a impressão de um poema.

A existência de versos, no entanto, não é sempre importante na poesia, nem mesmo nos poemas escritos. Tipos diferentes de poema definem verso de formas diferentes. Existe uma categoria de poemas nomeada verso livre, em que os versos não têm rima nem ritmo métrico. Os poemas concretos, com objetivo de criar imagens visuais com palavras, podem colocar letras e palavras em qualquer espaço e, assim, fogem do verso linear. Existem, também, poemas em prosa, que usam linguagem fortemente estética e poética de maneiras diversas, mas não têm versos e, de tal modo, não se parecem visualmente como poemas numa página.

Dado que os versos vêm da forma escrita, o maior problema dos poemas de performance e de outros poemas orais e falados (e que não são escritos) é não haver a opção de se dividir o texto em versos.

Além disso, em Libras, a grande maioria dos poemas não está escrita, o que dificulta a ideia de se ter versos. Às vezes parece que esses eles existem, pois historicamente os poemas apresentados em línguas de sinais eram traduções de poemas escritos de uma língua oral. Essa influência dos poemas escritos também acontece nas traduções de poemas originais em Libras. Podemos traduzir um poema em Libras para português escrito e assim ver alguns exemplos de verso na página de um texto. Por exemplo, o poema em Libras Homenagem Santa Maria/RS, do poeta Alan Henry Godinho, foi traduzido por Markus Weininger (2013) com o objetivo de manter diversos elementos poéticos da língua de sinais em uma forma poética entendida pelos leitores de poesia em português.

HOMENAGEM SANTA MARIA - Alan Henry Godinho

Tradução: Markus J. Weininger (2013)

... meu olhar a pesar em silêncio ...

Vejam, como o mundo todo sofre,

Sofre, sofre, sofre...

Toda a nossa nação de Norte a Sul

Nos seus estados despedaçados

No Rio Grande do Sul

S-A-N-T-A M-A-R-I-A ... Santa Maria

Vejam, as flores a brotar em todo jardim

Imaginem as estrelas a brilhar no céu sem fim

Vejam o que a morte nos ceifou

Amigos, familiares, reunidos

união

união, adentrando o coração

Vejam, no céu, eclodiram diversas estrelas

Desabrocham no jardim as flores da eternidade

Vislumbrem seu vôo sublime

voar sem limites nem fronteiras, em

paz que um dia também em nós irá

irradiar

Vejam, o consolo nos braços,

abraço

meu abraço profundo

meu amparo

amparo

o amparo silencioso do mundo

O uso do verso nesse poema é resultado da tradução e não uma parte natural da obra em Libras.

Em sua pesquisa, Clayton Valli (1993) afirmou que podemos encontrar versos em poemas de ASL e que esses versos estão ligados aos padrões de rima nos sinais. A divisão de linhas em versos na poesia sinalizada pode mostrar a intenção do poeta e fazer parte do poema (como nos exemplos de Valli), mas muitas vezes uma divisão em versos é artificial e essa não era a intenção do artista. Embora vejamos certamente divisões internas em poemas definidas pelas ideias e pelas construções linguísticas, essas divisões são apenas parecidas com versos, mas não iguais a eles. Marion Blondel e Chris Miller (2000) sugeriram que cada verso num poema sinalizado trata de uma nova ideia. Nenhuma pesquisa até agora identificou um meio de segmentação de textos literários em Libras que diferencie poesia de prosa.

13.3.3. Finalidade, função e objetivo

Normalmente, o objetivo de se usar uma língua é ser compreendido. As histórias em prosa, por exemplo, geralmente contam uma narrativa coerente que descreve uma sequência de eventos. O leitor (ou o espectador) deve compreender os acontecimentos contados e por isso a comunicação bem-sucedida é o principal objetivo de uma narrativa em prosa. Muitas vezes, um contador de história espera que o público assista à história uma vez, mas o poeta pode esperar que as pessoas assistam a uma gravação do poema múltiplas vezes. Isso acontece porque um poema nem sempre espera uma compreensão imediata. O público pode assistir a um poema várias vezes até que entenda a mensagem; essa é uma estratégia gerada pelo uso da tecnologia de vídeo. Anteriormente, quando uma pessoa fazia uma performance em Libras, o público a assistia ao vivo, uma vez só, não havia a opção de rever a apresentação. Com o vídeo, um poeta pode criar textos em Libras sempre mais complexos e menos claros. O poema Associação, de Fernanda Machado, não é fácil de entender à primeira vista, embora seja muito bem apresentado. Ele exige que seja visto várias vezes antes de se entender e apreciar sua riqueza. Podemos dizer o mesmo de Peixe, de Renato Nunes.

Mas, não é apenas a poesia que exige foco na linguagem. Existem narrativas do gênero VV em que o público precisa prestar muita atenção para entender o significado dos classificadores apresentados.

13.3.4. Colocar a linguagem no primeiro plano e “desfamiliarizá-la”

Um poema tem o objetivo de explorar a linguagem artística. O poeta de Libras pode romper os limites linguísticos e descobrir expressões novas, ousadas e originais para transmitir seus pensamentos. Um poema muitas vezes quebra as regras da Libras e usa linguagem incomum, estranha e distorcida para criar algo diferente. Isso chama atenção à linguagem. Por outro lado, a prosa usa a linguagem mais cotidiana ("normal"), um vocabulário mais estabelecido e a gramática padrão para garantir que o conteúdo seja compreendido. A linguagem da prosa, mesmo que usada de forma prazerosa, não chama a atenção e é menos importante do que o conteúdo.

A desfamiliarização é uma prática literária de apresentar coisas comuns e familiares de forma desconhecida, para obrigar os leitores a prestarem atenção às coisas que normalmente passam despercebidas. O poeta pode colocar a linguagem no primeiro plano e desfamiliarizá-la. Colocar a linguagem no primeiro plano é uma tentativa de usar uma palavra (ou uma imagem) de modo que atraia a atenção.

A alteração de perspectiva nos poemas de perspectiva múltipla, a criação de animais que sinalizam e os duetos em que duas pessoas criam um sinal juntas - todos exigem que o público foque na linguagem. No poema Ave 1 x 0 Minhoca, de Marcos Marquioto, o poeta alterna entre a perspectiva da minhoca e a da ave, cada vez se aproximando mais para que os classificadores mostrem a minhoca e a ave maiores. Isso traz novas perspectivas para o público, que tem a oportunidade de ver a caça de uma minhoca por uma ave a partir da visão dos bichos. O uso de classificadores criativos, portanto, desfamiliariza a linguagem e o conceito.

13.3.5. (In)flexibilidade do texto

Um poema, geralmente, tem um texto fixo, mas as histórias sinalizadas em prosa podem ser adaptadas de acordo com o público ou a situação. Isso acontece apenas nas performances orais - sabemos que prosa literária escrita também tem um texto fixo. Um poema é quase sempre preparado para gerar um texto completo antes da performance e o poeta prepara seu trabalho cuidadosamente antes de mostrá-lo ao público. Cada vez que apresenta o poema, esperamos que seja o mesmo poema apresentado da mesma maneira. Ao contrário disso, as histórias em prosa contadas ao vivo não seguem tanta rigidez, são mais espontâneas. Por exemplo, cada vez que contamos uma narrativa de experiência pessoal ou um conto de fadas, sempre apresentamos os principais fatos, mas temos flexibilidade para contar as histórias.

Por outro lado, em muitas culturas, um poeta que cria um poema de forma espontânea é altamente valorizado, e nos vídeos de hoje em dia, as histórias em Libras são vistas em formas mais fixas.

13.3.6. Vocabulário

As histórias em prosa utilizam vocabulário para desenvolver a sequência de eventos e têm uma maior frequência de sinais vocabulares para garantir que todos entendam. Já os poemas usam sinais mais produtivos, criativos ou mesmo novos. Os dois gêneros também usam diferentemente os elementos não manuais. Nas histórias em prosa, os componentes manuais são indispensáveis porque as informações são importantes para contar os fatos. Um poema depende muito menos de sinais manuais, e mais de elementos não manuais - expressões faciais, olhar, movimento do corpo, espaço, velocidade, ritmo – para criar mais sensações e imagens e menos fatos. Anjo Caído, de Fernanda Machado, é um bom exemplo de um poema que usa sinais produtivos e muitos elementos não manuais. No entanto, A Pedra Rolante, de Sandro Pereira, usa não somente esses elementos, característicos dos poemas, mas também outros que caracterizam produções narrativas em prosa.

13.3.7. Ritmo e velocidade

As funções de ritmo e velocidade são diferentes em um poema ou numa história em prosa. As histórias normalmente variam de ritmo e de velocidade para destacar ações ou emoções, mas os poemas podem variar de ritmo e velocidade de maneira mais deliberada e estética para chamar atenção à própria linguagem, e não ao conteúdo. Como Veio Alimentação, de Fernanda Machado, e O símbolo do Olodum, de Priscila Leonnor, usam ritmos destacados. No primeiro, o ritmo lento e tenso dos sinais do trabalhador rural contrasta com o ritmo mais rápido e solto da pessoa urbana. No segundo, o ritmo dos sinais é motivado pelo ritmo da bateria de samba. Num poema, sinalizar em câmera lenta destaca cada movimento do corpo e a expressão do poeta. Mas também vemos na prosa que a velocidade do movimento do sinal não reflete a velocidade real, é "extradiegética" (algo fora da história). Slow Motion Portrait, (em português “Retrato em câmera lenta”), de Tony Bloem, e Bolinha de Ping-pong, de Rimar Segala, são narrativas em que a velocidade dos sinais não reflete a velocidade das ações descritas.

13.3.8. Enredo e personagens

Histórias em prosa normalmente têm um enredo, ou seja, uma sequência em que a história se desenrola. Mas os poemas nem sempre têm enredo. Eles podem focar mais na autoexpressão do poeta, mostrando suas opiniões ou suas perspectivas sobre um assunto. Além disso, podem focar na criação de uma imagem sem ação. O objetivo dos poemas japoneses de haicai, por exemplo, é criar uma imagem por meio de palavras. Em Libras, a finalidade de muitos poemas é a mesma que vemos no haicai – criar uma imagem forte, construída pelos sinais. O poema Paraná, de Marcos Marquioto, apresenta uma série de imagens (muitas delas não totalmente especificadas) sem uma trama. O poema não conta uma história com eventos, mas sim apresenta uma montagem de imagens. O sinal do título é paraná, o que ajuda o espectador a entender os sinais. No poema, no entanto, vemos que há uma igreja, mas não sabemos que ela é a catedral da cidade de Maringá (a mais alta da América Latina); vemos uma ave, mas não sabemos que é a gralha azul, ave símbolo do estado do Paraná; e vemos uma construção em formato esférico, mas não sabemos que é a famosa estufa da cidade de Curitiba.

Nas narrativas escritas, os personagens geralmente são claramente apresentados, mas em alguns poemas desconhecemos quem é o personagem. Sabemos que uma pessoa atua ou tem uma experiência, mas não sabemos nada sobre ela. Em Libras, essa diferença não é tão clara, possivelmente por causa das origens da poesia na língua - que é fundamentada nas narrativas tradicionais da comunidade surda. É sabido que muitos poemas, até mesmo poemas curtos, têm pelo menos uma trama curta.

13.3.9. Regras

Poemas são de alguma forma mais "disciplinados" do que histórias. É fundamental ter regras num poema. Estas são estabelecidas em tradições literárias ou selecionadas pelo próprio poeta. Se não houver restrições, não podemos compor um poema. Poemas frequentemente seguem regras específicas.

Há uma escolha obrigatória dos tipos específicos de palavras (por exemplo, o haicai tradicional deve incluir uma palavra que indica uma estação do ano). Em poemas que são homenagens a outros poemas, a estrutura segue alguns elementos do original e acrescenta uma nova perspectiva. Por exemplo, os poemas Saci, de Fernanda Machado, e Árvore, de André Luiz Conceição, incluem elementos do poema Tree, de Paul Scott. O poema Paraná, citado anteriormente, usa o passeio de uma ave e o crescimento das imagens na sua aproximação, em homenagem ao poema Voo Sobre Rio, de Fernanda Machado.

Alguns poemas em português exigem esquemas de rima estritos, obrigando o uso de palavras que terminem com o mesmo som na composição final dos versos. Por exemplo, a forma dos poemas de Cordel escrito exige que as estrofes de seis versos tenham palavras que rimem no padrão A, B, C, B, D, B34. Os sonetos exigem outros diversos padrões, mas, depois de escolher um padrão de rima, o poeta deve seguir as suas regras. Já os poetas de Libras podem criar um esquema com as mesmas configurações de mão ou os mesmos movimentos, e as exigências geram um prazer maior no espectador quando são cumpridas. Por exemplo, o poema Peixe, de Renato Nunes, tem apenas uma configuração de mão. No poema, Meu Ser é Nordestino, de Klícia Campos, uma configuração de mão dos sinais é repetida em cada estrofe e muda dependendo do sentimento a ser apresentado.

As estruturas métricas são importantes nos poemas escritos em português, mas não são exigidas nos poemas em Libras, que usam outros tipos de ritmo gerados pelo tipo, tamanho, pela velocidade e direção de movimento dos sinais.

Por outro lado, apesar de as histórias em prosa seguirem as regras de criação de um texto visual, elas tendem a ser muito mais livres e mais espontâneas, e a sua composição é menos controlada por regras específicas. Apesar disso, no texto A Pedra Rolante, de Sandro Pereira, o ritmo é seguido cuidadosamente.

resumo

13.4. Resumo

Nesse capítulo, apresentamos os critérios que apontam as diferenças entre poesia e prosa. Vimos que alguns poemas contêm esses elementos, mas nem todas as produções mostram todos os elementos e, às vezes, vemos características de poemas nas prosas. Vimos também que os elementos que definem poemas em português nem sempre definem poemas em Libras.

Mas será que existem regras estabelecidas para a forma de poesia em línguas de sinais? É isso que veremos no próximo capítulo.

atividade

13.5. Atividade

Assista a cinco obras artísticas em Libras:

  1. Galinha Fantasma, de Bruno Ramos.
  2. Ave 1 x 0 Minhoca, de Marcos Marquioto.
  3. Meu ser é nordestino, de Klícia Campos.
  4. A Economia, de Sara Theisen Amorim e Ângela Eiko Okumura.
  5. Eu x Rato, de Rodrigo Custódio da Silva.

Use a lista de critérios estudada nesse capítulo. O que fez você pensar que este é mais um poema ou uma narrativa (história)? Coloque-os ao longo da escala “prosa-poesia”.

A estrutura do capítulo segue as ideias da pesquisadora Michiko Kaneko. (Veja SUTTON-SPENCE; KANEKO, 2016) Por exemplo, no poema Antônio Silvino por Leandro Gomes de Barros, as palavras *acertadamente, presente* e *contente* rimam no final dos 2º, 4º e 6º versos
Mas mestre padre entendeu (A)

Que ia acertadamente (B)

Em pegar meus cangaceiros (C)

E fazer deles presente, (B)

Quem tiver pena que chore (D)

Quem gostar fique contente. (B)